Conflito Interior
Em Belém do Pará, quase quatro anos afastado da Metrópole, sem dinheiro, mal alimentado e sem pouso certo, Annibal Theophilo resolveu mudar de planos. Abandonaria, de fato, a carreira truncada pelo injusto degredo. Muitos dos seus companheiros já haviam tomado tal decisão.
Na certa o poeta magoaria profundamente o pai, mas o comandante como grande militar que era, e homem de pensamento elevado, haveria de compreender o gesto do filho, que não merecendo aquele castigo estava impedido de cumprir normalmente a sua carreira.
O jovem partiu para a Bahia, onde, no 9º Batalhão, o Coronel Santos Silva ocupava posto de destaque. Passaria a ser civil, e desígnios do destino, permaneceria em ambiente militar, que, entretanto, jamais desamou.
O Professor
Tendo abandonado a farda, Annibal Theophilo passou a dedicar-se ao magistério. Começou como professor de línguas neolatinas, e pouco mais tarde veio a ocupar uma cadeira de latim, na cidade de Salvador. Era uma atividade bem de acordo com o seu gosto pelas letras. Todavia, o pensamento estava voltado para o Ceará, mais precisamente para Liberalina, bela moça da família Salles, a Dona Sinhá, que com 15 anos de idade iria casar-se com o poeta. Ele já a tinha no coração desde os tempos de cadete. Era uma menina órfã de pai e mãe. Aquele assassinado de emboscada numa estrada por ladrões. A beleza e a simplicidade de Sinhazinha encantaram o poeta, que lhe dedicou muitos versos. Como estes:
Em Belém do Pará, quase quatro anos afastado da Metrópole, sem dinheiro, mal alimentado e sem pouso certo, Annibal Theophilo resolveu mudar de planos. Abandonaria, de fato, a carreira truncada pelo injusto degredo. Muitos dos seus companheiros já haviam tomado tal decisão.
Na certa o poeta magoaria profundamente o pai, mas o comandante como grande militar que era, e homem de pensamento elevado, haveria de compreender o gesto do filho, que não merecendo aquele castigo estava impedido de cumprir normalmente a sua carreira.
O jovem partiu para a Bahia, onde, no 9º Batalhão, o Coronel Santos Silva ocupava posto de destaque. Passaria a ser civil, e desígnios do destino, permaneceria em ambiente militar, que, entretanto, jamais desamou.
O Professor
Tendo abandonado a farda, Annibal Theophilo passou a dedicar-se ao magistério. Começou como professor de línguas neolatinas, e pouco mais tarde veio a ocupar uma cadeira de latim, na cidade de Salvador. Era uma atividade bem de acordo com o seu gosto pelas letras. Todavia, o pensamento estava voltado para o Ceará, mais precisamente para Liberalina, bela moça da família Salles, a Dona Sinhá, que com 15 anos de idade iria casar-se com o poeta. Ele já a tinha no coração desde os tempos de cadete. Era uma menina órfã de pai e mãe. Aquele assassinado de emboscada numa estrada por ladrões. A beleza e a simplicidade de Sinhazinha encantaram o poeta, que lhe dedicou muitos versos. Como estes:
FRONTE
Alva, do alvor diáfano em que flutua Leve azul vacilante, que parece Que empalidece quando se acentua Que mais se afirma quando empalidece; Tem a fronte que estima trazer nua, (Do alto, partida, a coma aos lados desce) Um composto de mármore e de lua, Sonho tangível que a saudade aquece. Tão pura ostenta, e, firme, o traço heleno, Que não se pensa, a olhar-lhe o aspecto brando, Que encerra uma ânsia escrava do infortúnio. Vê-la, é crer contemplar no azul sereno Tênue gaze de pérola velando O rosto cismador do plenilúnio. |
Casamento
Foi busca-la no Ceará, que o recebeu de novo de braços abertos. Os dois jovens casaram-se no dia 3 de outubro de 1896 e tiveram como padrinhos Antônio Salles (o poeta cearense), Antônio da Costa Gadelha, Maria Rita Borges da Cunha e Alice Nava Salles.
Depois voltaram à Bahia para morar na casa do Coronel Santos Silva, onde, no ano seguinte, nasceria o primogênito Luiz Celestino. O segundo filho receberia o nome do avô paterno acrescido de Theophilo. A família aumentava e Annibal Theophilo parece que ia realizar aos poucos os seus sonhos, no Bairro de Santo Antônio da Mouraria, em Salvador, ocupando-se com a família, com os alunos e com a sua produção literária.
O ano de 1897, porém, viria conturbar a vida do país. As notícias vindas do interior do Estado preocupavam. A nação ainda não se fizera dos traumas causados pela Revolta da Armada e já se via envolvida com outro sério conflito. No 9º Batalhão faziam-se preparativos para a marcha sobre Canudos.
Canudos
O poeta engajou-se outra vez à tropa, como voluntário, animado pelo ambiente e pela figura do coronel seu pai. O título de “capitão honorário” obtido graças à sua ação na Revolta da Armada deveria ser confirmado. Vários de seus antigos companheiros cadetes foram também incorporados ao 9º Batalhão, vindos das Escolas Militares. Sob o comando do Coronel Olímpio da Silveira marcharam para a região dos trágicos acontecimentos.
Uma das grandes preocupações do poeta foi, nessa fase da sua vida – confessava aos amigos, mais tarde – ter combatido contra gente ignorante, perdida e desvairada. Até mulheres pegavam em armas, fanatizadas pela causa, “tal o desespero e a miséria reinantes naquela região...” “Qual de nós, com pouco mais de 20 anos, poderia compreender, ao certo, a razão de ser de tal movimento?” Durante tantos anos de vida militar, Annibal Theophilo jamais havia presenciado e vivido momentos tão dramáticos. A impressão que trouxera daquelas cenas, contava ele, muito lhe inquietara o espírito.
A cidade fora arrasada a 5 de outubro de 1897. O corpo do líder profeta fora encontrado morto entre os escombros.
A Ilha De Bom Jesus
O coronel Santos Silva tinha sido transferido para o Rio de Janeiro para servir na Ilha de Bom Jesus, no Quartel do Comando do Asilo de Inválidos da Pátria. Nomeado por Portaria nº 2.204, do Ministério da Guerra, de 21 de março de 1898; tomou posse a 11 de abril do mesmo ano.
A família, com todos os seus componentes, deslocou-se para a Capital, onde Annibal Theophilo passaria a dedicar-se de novo aos estudos. Pretendia agora ser dentista.
A Ilha de Bom Jesus abrigava os heróis feridos na Guerra do Paraguai – e não eram poucos. O próprio comandante Santos Silva trazia no corpo vários ferimentos, inclusive uma ulceração na perna que jamais cicatrizou.
Aquele pedaço de terra, pela sua beleza natural, é uma miniatura da formosa Paquetá. De longe, avista-se a linda igreja de Bom Jesus, construída em 1703 por irmãos jesuítas, com largas paredes de dois metros, no alto de uma colina, com vista para toda a baía de Guanabara.
Consta dos seus arquivos que um dos primeiros atos do comandante Santos Silva foi libertar os presos, homenagem à memória de Tiradentes, no transcorrer do mês de abril.
De 11 de abril de 1898 a 1903, 22 de fevereiro, dia em que faleceu Santos Silva, a ilha viveu dias de paz. Ali, Annibal Theophilo, na administração de seu pai, encontrou ambiente propício para os seus devaneios de poeta. Ali teve também a felicidade de ver nascer sua querida filha Elisinha, a 6 de março de 1902. Mas a dor também o feriu na ilha ditosa, com a morte do pai, seu grande amigo e guia. Registrou o fato neste poema comovido e triste:
Foi busca-la no Ceará, que o recebeu de novo de braços abertos. Os dois jovens casaram-se no dia 3 de outubro de 1896 e tiveram como padrinhos Antônio Salles (o poeta cearense), Antônio da Costa Gadelha, Maria Rita Borges da Cunha e Alice Nava Salles.
Depois voltaram à Bahia para morar na casa do Coronel Santos Silva, onde, no ano seguinte, nasceria o primogênito Luiz Celestino. O segundo filho receberia o nome do avô paterno acrescido de Theophilo. A família aumentava e Annibal Theophilo parece que ia realizar aos poucos os seus sonhos, no Bairro de Santo Antônio da Mouraria, em Salvador, ocupando-se com a família, com os alunos e com a sua produção literária.
O ano de 1897, porém, viria conturbar a vida do país. As notícias vindas do interior do Estado preocupavam. A nação ainda não se fizera dos traumas causados pela Revolta da Armada e já se via envolvida com outro sério conflito. No 9º Batalhão faziam-se preparativos para a marcha sobre Canudos.
Canudos
O poeta engajou-se outra vez à tropa, como voluntário, animado pelo ambiente e pela figura do coronel seu pai. O título de “capitão honorário” obtido graças à sua ação na Revolta da Armada deveria ser confirmado. Vários de seus antigos companheiros cadetes foram também incorporados ao 9º Batalhão, vindos das Escolas Militares. Sob o comando do Coronel Olímpio da Silveira marcharam para a região dos trágicos acontecimentos.
Uma das grandes preocupações do poeta foi, nessa fase da sua vida – confessava aos amigos, mais tarde – ter combatido contra gente ignorante, perdida e desvairada. Até mulheres pegavam em armas, fanatizadas pela causa, “tal o desespero e a miséria reinantes naquela região...” “Qual de nós, com pouco mais de 20 anos, poderia compreender, ao certo, a razão de ser de tal movimento?” Durante tantos anos de vida militar, Annibal Theophilo jamais havia presenciado e vivido momentos tão dramáticos. A impressão que trouxera daquelas cenas, contava ele, muito lhe inquietara o espírito.
A cidade fora arrasada a 5 de outubro de 1897. O corpo do líder profeta fora encontrado morto entre os escombros.
A Ilha De Bom Jesus
O coronel Santos Silva tinha sido transferido para o Rio de Janeiro para servir na Ilha de Bom Jesus, no Quartel do Comando do Asilo de Inválidos da Pátria. Nomeado por Portaria nº 2.204, do Ministério da Guerra, de 21 de março de 1898; tomou posse a 11 de abril do mesmo ano.
A família, com todos os seus componentes, deslocou-se para a Capital, onde Annibal Theophilo passaria a dedicar-se de novo aos estudos. Pretendia agora ser dentista.
A Ilha de Bom Jesus abrigava os heróis feridos na Guerra do Paraguai – e não eram poucos. O próprio comandante Santos Silva trazia no corpo vários ferimentos, inclusive uma ulceração na perna que jamais cicatrizou.
Aquele pedaço de terra, pela sua beleza natural, é uma miniatura da formosa Paquetá. De longe, avista-se a linda igreja de Bom Jesus, construída em 1703 por irmãos jesuítas, com largas paredes de dois metros, no alto de uma colina, com vista para toda a baía de Guanabara.
Consta dos seus arquivos que um dos primeiros atos do comandante Santos Silva foi libertar os presos, homenagem à memória de Tiradentes, no transcorrer do mês de abril.
De 11 de abril de 1898 a 1903, 22 de fevereiro, dia em que faleceu Santos Silva, a ilha viveu dias de paz. Ali, Annibal Theophilo, na administração de seu pai, encontrou ambiente propício para os seus devaneios de poeta. Ali teve também a felicidade de ver nascer sua querida filha Elisinha, a 6 de março de 1902. Mas a dor também o feriu na ilha ditosa, com a morte do pai, seu grande amigo e guia. Registrou o fato neste poema comovido e triste:
TRANSE AMARGO A meu pai A alma nada é mais que a consciência que a matéria tem de que existe. Nunca supus tão cruéis as angústias da prova De ver-te o corpo amado entre tábuas de luto Ser descido sem dó ao fundo de uma cova... De outro instante não sei mais trágico e mais bruto. E eu já não posso crer nessa Existência Nova Que dizem suceder a este Amargo Minuto. A derrocar-me o ideal de que um ser se renova, Da terra inda o rumor, soterrando-te, escuto. Ah! Que terrível transe! Inda a alma se me esfria Relembrando o pavor do torvo pesadelo Que me assaltou nessa hora! – A mim veio a Ironia, Tomou-me o coração, e, ante mim, para eu vê-lo, Lentamente, a sorrir, gozando-me a agonia, Ela o dilacerou sobre um ralo de gelo!... |
Ilha de Bom Jesus – Abrigo dos Inválidos da Pátria e, anteriormente, Presídio Militar, era chamada a Ilha da “Caqueirada” ou “dos Frades”, no século passado. O Coronel Victorino dos Santos Silva, pai do poeta Annibal Theophilo, seu comandante, ali residiu com toda a família de 1898 até fevereiro de 1903, data em que faleceu. Nesse calmo recanto o poeta criou muitos de seus belos poemas, entre os quais talvez o mais famoso, A Cegonha.
Coragem
Além de abrigar os inválidos da Pátria, a ilha constituía o presídio militar. Para ali eram remetidos os militares punidos, que ocupavam um pavilhão à parte. Em 1891 dera entrada na prisão um elemento de alta periculosidade, para cumprir pena por crimes de morte. Até então reinava paz no ambiente. Logo a apreensão dominaria toda a ilha. Escapara das grades o criminoso temido. Após ter ferido dois guardas com uma faca, foi esconder-se num matagal, protegido pela escuridão da noite. Ao aproximar-se a aurora, o filho do comandante dirigiu-se resoluto àquele ponto com o fito de trazer de volta o criminoso. Tranqüilo, Annibal Theophilo anunciou ao fugitivo a sua presença, tentando convencê-lo a entregar-se, pois o tratamento que lhe era dispensado por parte do comando era humano e nunca ninguém o havia maltratado. |
Como resposta, uma pedra veio do alto atingir-lhe a perna, de raspão. Localizando o preso, Annibal penetrou no mato, subiu célebre a encosta, em busca do malfeitor, que o recebeu com a intenção de liquidá-lo. Frente a frente, o poeta tentou outra ponderação, respondida com um ataque de punhal. Parecia querer aumentar o seu rol de crimes. O poeta era homem forte e corajoso e não fugiu à luta. Os dois corpos rolaram a ribanceira até à beira da praia. Com o antebraço golpeado pela lâmina, e sangrando abundantemente, Annibal Theophilo manteve-se agarrado ao corpo de seu agressor, para, num lance de força, arrancar-lhe a arma da mão e lança-la bem longe ao mar. Embora ferido, enfrentou de novo o criminoso, que parecia ter crescido na sua ferocidade.
Minutos depois se aproximou um grupo de praças que presenciou a cena em que o filho do comandante trazia de volta o detento completamente vencido na sua resistência.
Assim era o poeta, no seu temperamento e personalidade. Como diziam os seus contemporâneos, era um “homem forte moral e fisicamente”. Primeiro, tentara dissuadir, depois, sem outra alternativa, a ação enérgica e corajosa.
Arsenal De Guerra E Gabaldá
Para sustentar a família, apesar de morar com o pai, Annibal Theophilo tinha que conseguir emprego. Suas responsabilidades cresciam com a vinda do terceiro filho. Passou a trabalhar como escrevente de segunda classe, no Arsenal de Guerra, localizado no bairro do Caju, nomeado por Portaria Circular da Diretoria, nº 4, de 1 de fevereiro de 1901. Apresentou-se a 3 do mesmo mês e ano, e assim deu início à nova atividade, que se estendeu até a partida para a Amazônia, em 1903, depois da morte de seu pai.
Mas, como vimos, Annibal Theophilo pretendeu estudar odontologia. Havia no Rio de Janeiro um curso preparatório, situado defronte ao antigo Mercado das Flores, na rua Gonçalves Dias. Era o Gabaldá. Na Sociedade Brasileira de Autores Teatrais colhemos o depoimento de um colega de Annibal Theophilo, que naquele curso se preparava para as letras contábeis. Trata-se de Miguel Santos, autor teatral de burletas e revistas, grande conhecedor da época do meio século passado e que recordava com nitidez figuras da cidade do Rio de Janeiro que marcaram a célebre Belle Époque carioca. Seu irmão, Guilherme Santos, artista da fotografia, possuidor dos arquivos mais completos sobre o Rio Antigo, nos seus 90 anos bem vividos, orgulhoso de sua arte, também tinha coisas a contar sobre o poeta.
Antes da passagem do século, Annibal, estudante ainda, freqüentava as rodas literárias, orgulhoso de privar da amizade dos grandes escritores. Encontrando-os nas livrarias, confeitarias, nas redações dos jornais, dizia os seus belos versos e, exímio declamador, recitava também os poemas dos seus ídolos parnasianos. Annibal Theophilo, no testemunho dos dois irmãos Santos, era um dos literatos mais estimados da cidade, tal o seu espírito vivaz e comunicativo.
Não somente em vida recebeu o poeta a manifestação de simpatia e amizade dos seus contemporâneos. Durante muito tempo, depois de sua morte, o seu nome era citado com respeito e admiração. Depois, hoje, o silêncio.
Minutos depois se aproximou um grupo de praças que presenciou a cena em que o filho do comandante trazia de volta o detento completamente vencido na sua resistência.
Assim era o poeta, no seu temperamento e personalidade. Como diziam os seus contemporâneos, era um “homem forte moral e fisicamente”. Primeiro, tentara dissuadir, depois, sem outra alternativa, a ação enérgica e corajosa.
Arsenal De Guerra E Gabaldá
Para sustentar a família, apesar de morar com o pai, Annibal Theophilo tinha que conseguir emprego. Suas responsabilidades cresciam com a vinda do terceiro filho. Passou a trabalhar como escrevente de segunda classe, no Arsenal de Guerra, localizado no bairro do Caju, nomeado por Portaria Circular da Diretoria, nº 4, de 1 de fevereiro de 1901. Apresentou-se a 3 do mesmo mês e ano, e assim deu início à nova atividade, que se estendeu até a partida para a Amazônia, em 1903, depois da morte de seu pai.
Mas, como vimos, Annibal Theophilo pretendeu estudar odontologia. Havia no Rio de Janeiro um curso preparatório, situado defronte ao antigo Mercado das Flores, na rua Gonçalves Dias. Era o Gabaldá. Na Sociedade Brasileira de Autores Teatrais colhemos o depoimento de um colega de Annibal Theophilo, que naquele curso se preparava para as letras contábeis. Trata-se de Miguel Santos, autor teatral de burletas e revistas, grande conhecedor da época do meio século passado e que recordava com nitidez figuras da cidade do Rio de Janeiro que marcaram a célebre Belle Époque carioca. Seu irmão, Guilherme Santos, artista da fotografia, possuidor dos arquivos mais completos sobre o Rio Antigo, nos seus 90 anos bem vividos, orgulhoso de sua arte, também tinha coisas a contar sobre o poeta.
Antes da passagem do século, Annibal, estudante ainda, freqüentava as rodas literárias, orgulhoso de privar da amizade dos grandes escritores. Encontrando-os nas livrarias, confeitarias, nas redações dos jornais, dizia os seus belos versos e, exímio declamador, recitava também os poemas dos seus ídolos parnasianos. Annibal Theophilo, no testemunho dos dois irmãos Santos, era um dos literatos mais estimados da cidade, tal o seu espírito vivaz e comunicativo.
Não somente em vida recebeu o poeta a manifestação de simpatia e amizade dos seus contemporâneos. Durante muito tempo, depois de sua morte, o seu nome era citado com respeito e admiração. Depois, hoje, o silêncio.
Rio – 24/9/1903 – Antes de partir para o Amazonas, Annibal Theophilo dedicou esta foto ao “irmão Francisco Pedro Carneiro da Cunha Júnior”, uma das pessoas entrevistadas para a elaboração deste livro.
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A Cobaia Do Dentista
Os estudos de odontologia do poeta provocaram alguma confusão, principalmente entre parentes e amigos, com os quais queria praticar a profissão, às voltas com boticões, martelos e alicates. Mas quem mais sofreu mesmo foi Dona Liberalina, sua mulher, que, certa feita, tendo que se livrar de um dente, recorreu ao marido. Os dentistas, naquela época, necessitavam ser atletas. E na base da força Annibal Theophilo retirou-lhe o dente e quase o queixo inteiro. Na verdade, Annibal Theophilo não terminou o seu curso, pois, no ano de 1903, iria realizar a sua longa viagem pelas florestas amazônicas. Modificava completamente o rumo da sua vida. Um Belo Episódio Contam alguns parentes uma passagem na vida de Annibal Theophilo que diz bem do carinho que dispensava aos animais. Morava na ilha de Bom Jesus, e constantemente fazia a travessia do mar, indo aportar com seu pequeno escaler na ponta do Caju. Certa vez, em dia de tempestade, a meio caminho, o barco soçobrou. Annibal Theophilo não estava só, tinha como companheiro um gato, um velho gato sem dono. Após muitas horas de luta contra as ondas, exausto, chegava à praia, trazendo nos seus ombros o bichano encolhido e todo encharcado. Os mantimentos e o embrulho de seus pertences, inclusive dois poemas inéditos, mereceram menor atenção que o animalzinho. Ao ser socorrido na praia, a primeira preocupação de Annibal Theophilo foi pedir que cuidassem do pequeno animal. Annibal Theophilo amava a vida. Amava a natureza, os seres e as coisas que o cercavam. Sempre amou com ternura. Nunca pôde ver um pássaro preso na gaiola. Seu desejo imediato era soltá-lo, dar-lhe liberdade que, na certa, ele próprio, como poeta, parecia buscar sem alcançar. Muitas vezes comprou pássaros engaiolados para em seguida soltá-los, gesto que praticava sem qualquer intuito de exibição. Lembranças Do Amigo O Dr. Francisco Pedro Carneiro da Cunha, brilhante inteligência, lembrou-nos passagens de sua vida ao lado de Annibal Theophilo. Acadêmico paraibano, grande conferencista, advogado no Rio de Janeiro por mais de meio século, autor de vários livros jurídicos, ocupou postos de destaque na administração estadual, obtendo, como prêmio, o título de carioca honorário. |
Trabalhava eu no Arsenal de Guerra, em 1901, quando fui provocado, certa vez, pelo intelectual e funcionário Domingos Ribeiro Filho, autor do Cravo Vermelho, homem de idéias avançadas, que procurou polêmica com o moço conservador. A minha reação muito alegrou o literato, ávido por um “bate-papo”. Foi chamar em outra seção um amigo, poeta, “que precisava me conhecer”. Era Annibal Theophilo, estampa vistosa de homem, alma serena que de pronto se fez amigo. Num dado momento ingressou na sala o chefe de Seção, Couto Soares, com quem Annibal trabalhava, vindo interromper a nossa “sessão literária”. O silêncio foi quebrado pelo próprio Annibal Theophilo, que imitou com perfeição a voz do chefe e amigo, que nada disse e saiu com um sorriso, diante da graça do poeta gaúcho. Era assim o moço: alegre, brincalhão e fazendo sempre o bem.
Muitas vezes íamos juntos, à noite, com Marcolino Fagundes, Raul Pederneiras, Ulisses Sarmento e outros amigos, aos teatros da rua Imperatriz e do Espírito Santo, assistir a Pepa Ruiz na “Fada de Coral”, quando Pinto Júnior, Peixoto e França recebiam bilhetes com versinhos, feitos para serem ditos no palco, de autoria de Annibal, Marcolino e Raul, que ingressavam em todas as companhias teatrais e eram conhecidíssimos.
Depois – continua o Dr. Francisco Pedro – íamos comer iscas, com ou sem elas (batatas) nos bares das proximidades. Quando íamos à casa de Annibal Theophilo, na rua General Gurjão, Dona Mamita preparava pãezinhos e servia-nos deliciosos e quentinhos, com café.
Sabia de cor algumas quadras de Annibal Theophilo. Uma delas bem expressiva do temperamento do poeta:
“Não sei por que ando sério
e um tanto quanto vário,
rio-me quando estou sério,
também se dá o contrário”.
O Judas
Há fatos interessantes na vida de Annibal, relacionados com sua posição anticlerical, talvez melhor compreendida nos poemas em que demonstra a sua sensibilidade religiosa. Houve época mesmo em que, ainda moço, fez críticas acerbas a um padre que abusava de suas atribuições religiosas ou ultrapassava os limites do bom senso. Não poupou o mau sacerdote no jornalzinho O Bode, que circulava entre os grupos de boêmios-literatos que freqüentavam as feijoadas dominicais do Clube de São Cristóvão, animadas pelo pianista Cirne. Mas, na revista literária O Tugúrio a coisa era mais séria. Vários amigos animavam aqueles encontros: Carlos Seidl, Goulart de Andrade, Otávio Augusto, Múcio Teixeira, Martins Fontes, Gustavo Goulart, Rafael Pinheiro, Marcolino Fagundes, Sá e Benevides e muitos outros. Se as paredes daquela “academia” pudessem repetir os seus versos apimentados e explosivos ter-se-ia farto material de riso. Annibal Theophilo era cáustico nas suas críticas. O tal padre Ricardino ficou na berlinda muitas vezes.
De comportamento pouco cristão, o padre não respeitava nem a mulher do próximo. Annibal não se conformando com aquilo moveu campanha contra ele, em versos acres nos quais dizia que “o sacrifício do Judas se impunha”. Com isso aumentou a sua fama de ateu, mas sua campanha surtiu efeito, pois o pároco seria transferido de São Cristóvão. Vale a pena recordar os versos de “Como se inventa um gajo”.
Muitas vezes íamos juntos, à noite, com Marcolino Fagundes, Raul Pederneiras, Ulisses Sarmento e outros amigos, aos teatros da rua Imperatriz e do Espírito Santo, assistir a Pepa Ruiz na “Fada de Coral”, quando Pinto Júnior, Peixoto e França recebiam bilhetes com versinhos, feitos para serem ditos no palco, de autoria de Annibal, Marcolino e Raul, que ingressavam em todas as companhias teatrais e eram conhecidíssimos.
Depois – continua o Dr. Francisco Pedro – íamos comer iscas, com ou sem elas (batatas) nos bares das proximidades. Quando íamos à casa de Annibal Theophilo, na rua General Gurjão, Dona Mamita preparava pãezinhos e servia-nos deliciosos e quentinhos, com café.
Sabia de cor algumas quadras de Annibal Theophilo. Uma delas bem expressiva do temperamento do poeta:
“Não sei por que ando sério
e um tanto quanto vário,
rio-me quando estou sério,
também se dá o contrário”.
O Judas
Há fatos interessantes na vida de Annibal, relacionados com sua posição anticlerical, talvez melhor compreendida nos poemas em que demonstra a sua sensibilidade religiosa. Houve época mesmo em que, ainda moço, fez críticas acerbas a um padre que abusava de suas atribuições religiosas ou ultrapassava os limites do bom senso. Não poupou o mau sacerdote no jornalzinho O Bode, que circulava entre os grupos de boêmios-literatos que freqüentavam as feijoadas dominicais do Clube de São Cristóvão, animadas pelo pianista Cirne. Mas, na revista literária O Tugúrio a coisa era mais séria. Vários amigos animavam aqueles encontros: Carlos Seidl, Goulart de Andrade, Otávio Augusto, Múcio Teixeira, Martins Fontes, Gustavo Goulart, Rafael Pinheiro, Marcolino Fagundes, Sá e Benevides e muitos outros. Se as paredes daquela “academia” pudessem repetir os seus versos apimentados e explosivos ter-se-ia farto material de riso. Annibal Theophilo era cáustico nas suas críticas. O tal padre Ricardino ficou na berlinda muitas vezes.
De comportamento pouco cristão, o padre não respeitava nem a mulher do próximo. Annibal não se conformando com aquilo moveu campanha contra ele, em versos acres nos quais dizia que “o sacrifício do Judas se impunha”. Com isso aumentou a sua fama de ateu, mas sua campanha surtiu efeito, pois o pároco seria transferido de São Cristóvão. Vale a pena recordar os versos de “Como se inventa um gajo”.
As Preces Do Ateu
No início do século era cada vez mais forte a influência positivista e materialista entre os intelectuais, que, segundo Leôncio Correia, constituíram a “geração que marcou a gloriosa evolução artística que é como um traço de união entre a alma do passado e a insubmissão do presente”. O poeta aderiu ao grupo dos alheios à religião, a que pertenciam Bilac, Murat, Emílio, Alcides Maya, Gregório Fonseca, Carlos Cavaco, Martins Fontes, Marcolino Fagundes, Patrocínio Filho e um número grande de escritores realistas, adeptos das teorias de Darwin, Spencer, Litré, Hegel, Hartmann. “A arte ombreava-se à ciência, à filosofia, à própria política”, afirmava o autor de A Boêmia do Meu Tempo.
Mas na verdade a produção de fundo místico de Annibal Theophilo teve significação na sua obra. Basta lembrar os seus belos poemas-orações, publicados em Rimas:
No início do século era cada vez mais forte a influência positivista e materialista entre os intelectuais, que, segundo Leôncio Correia, constituíram a “geração que marcou a gloriosa evolução artística que é como um traço de união entre a alma do passado e a insubmissão do presente”. O poeta aderiu ao grupo dos alheios à religião, a que pertenciam Bilac, Murat, Emílio, Alcides Maya, Gregório Fonseca, Carlos Cavaco, Martins Fontes, Marcolino Fagundes, Patrocínio Filho e um número grande de escritores realistas, adeptos das teorias de Darwin, Spencer, Litré, Hegel, Hartmann. “A arte ombreava-se à ciência, à filosofia, à própria política”, afirmava o autor de A Boêmia do Meu Tempo.
Mas na verdade a produção de fundo místico de Annibal Theophilo teve significação na sua obra. Basta lembrar os seus belos poemas-orações, publicados em Rimas:
PRIMEIRA ORAÇÃO
Senhora minha que viveis na terra, Glorificado seja o Vosso nome; Venha o Fulgor que o Vosso Peito encerra À pura sede que meu ser consome; Quanto ordenardes, tenha cumprimento Em mim, sem obra da vacilação, Assim do pensamento, Como no coração. O Bem do Vosso Rosto, cada dia, Vinde sobre meu rosto derramando, Assim como nas horas de agonia, A sorrir, Vossa Glória irei cantando; Trazei-me sob os Olhos defendido Contra o desânimo e as traições; também Não me deixeis cair no Vosso olvido, Mas livrai-me este Amor do mal. Amém. |
TERCEIRA ORAÇÃO
Das Vossas Asas misteriosas, Sobre a crueza desta ínvia estrada, Em luar e flores, para minh’alma Descei a calma, Bem prometido por Vossa Vida É minha vida Consoladora Mão que me afasta Da ira e do erro Ó Redentora, Ó sempre Casta Ó sempre pura, vede o desterro Em que vencido meu ser se prostra. |
Os Mendigos
Parece incrível e chega a ser desumano o que se está praticando com essa pobre gente, numa terra em que escasseiam completamente os recursos da assistência pública. Essa foi a reação do poeta contra a prisão de mendigos doentes, pela polícia – conta-nos Antero de Almeida. E completava Annibal Theophilo: “Se já tivéssemos um jornal, seria um bom tema para criticarmos as violências da polícia”.
Antero de Almeida desejava fundar com Annibal um jornal. Sobre aquele assunto que preocupava o poeta, já escrevera cáustico artigo.
O autor de Reminiscências julga o amigo útil a sua empresa, elogiando-o já pela firmeza de caráter austero e independente, já pelo vigor de sua forte cerebração, de poeta pensador, valioso elemento para o êxito de qualquer empresa bem orientada.
Antero de Almeida não conseguiu realizar o seu sonho, que na “época era a fundação de um periódico com feição inteiramente independente, se bem que filiado ao regime democrático na sua mais ampla e irredutível orientação doutrinária...” Annibal Theophilo seguiu para a Amazônia pouco depois.
O Caso Dos Abades
Houve um desencontro de idéias, no mosteiro de São Bento, a respeito da posse de um abade, fato muito comentado no Rio de Janeiro. O resultado foi que a posse clandestina se fez dentro do próprio mosteiro, assistida pelo chefe de Polícia da Capital, respeitando ordem do Governo, “para servir aos interesses da Ordem Beneditina e de frades estrangeiros, em vez de amparar o prestígio do Supremo Tribunal Federal, cumprindo-lhe a decisão que concedia manutenção de posse de Frei João das Mercês”. Frei Transfiguração venceu.
Annibal Theophilo e Antero de Almeida estavam juntos no “Café Java”, de portas semicerradas, assistindo à introdução das tropas embaladas para garantir a estranha posse. E, ali mesmo, Annibal sugeriu ao amigo que escrevesse alguma coisa sobre o caso, para ser publicada no Correio da Manhã, o que foi feito. A matéria tinha o título de O Caso dos Abades.
Parece incrível e chega a ser desumano o que se está praticando com essa pobre gente, numa terra em que escasseiam completamente os recursos da assistência pública. Essa foi a reação do poeta contra a prisão de mendigos doentes, pela polícia – conta-nos Antero de Almeida. E completava Annibal Theophilo: “Se já tivéssemos um jornal, seria um bom tema para criticarmos as violências da polícia”.
Antero de Almeida desejava fundar com Annibal um jornal. Sobre aquele assunto que preocupava o poeta, já escrevera cáustico artigo.
O autor de Reminiscências julga o amigo útil a sua empresa, elogiando-o já pela firmeza de caráter austero e independente, já pelo vigor de sua forte cerebração, de poeta pensador, valioso elemento para o êxito de qualquer empresa bem orientada.
Antero de Almeida não conseguiu realizar o seu sonho, que na “época era a fundação de um periódico com feição inteiramente independente, se bem que filiado ao regime democrático na sua mais ampla e irredutível orientação doutrinária...” Annibal Theophilo seguiu para a Amazônia pouco depois.
O Caso Dos Abades
Houve um desencontro de idéias, no mosteiro de São Bento, a respeito da posse de um abade, fato muito comentado no Rio de Janeiro. O resultado foi que a posse clandestina se fez dentro do próprio mosteiro, assistida pelo chefe de Polícia da Capital, respeitando ordem do Governo, “para servir aos interesses da Ordem Beneditina e de frades estrangeiros, em vez de amparar o prestígio do Supremo Tribunal Federal, cumprindo-lhe a decisão que concedia manutenção de posse de Frei João das Mercês”. Frei Transfiguração venceu.
Annibal Theophilo e Antero de Almeida estavam juntos no “Café Java”, de portas semicerradas, assistindo à introdução das tropas embaladas para garantir a estranha posse. E, ali mesmo, Annibal sugeriu ao amigo que escrevesse alguma coisa sobre o caso, para ser publicada no Correio da Manhã, o que foi feito. A matéria tinha o título de O Caso dos Abades.
A Dura Decisão
Manaus ingressava na centúria nova com um lastro auspicioso de recursos que lhe animavam as vivas aspirações a um grande centro civilizado e lhe robusteciam a confiança no futuro, com a cobiça mundial pelas imensas riquezas naturais que a Amazônia entesourava. Eis como Péricles Morais descrevia o Amazonas do começo do século. Era o “El Dorado” para quantos a ela se dirigiam, buscando fortuna e felicidade. O reflexo na economia brasileira se fez sentir de tal forma que a Amazônia representou 50% na nossa balança financeira, na época áurea da borracha. Annibal Theophilo, em 1903, para lá se dirigiu, deixando no Rio de Janeiro a esposa e a filhinha Elisa com o seu cunhado Francisco Salles, o filho Victor com Dona Mamita e o filho Luís na casa da família do General Almada, íntimo amigo da família de seu velho pai que acabara de falecer. O impacto da morte do pai deixara o poeta preocupado. Deveria ser tomada uma decisão imediata. O emprego no Arsenal de Guerra era muito pouco para a manutenção da família. Largaria os estudos, abandonaria o círculo de suas relações, principalmente na vida literária em que já se destacara, com o sucesso de A Cegonha. A sua situação financeira precisava de prontos cuidados. E o poeta partiu. Abandonando O Prestígio Desembaraçara-se no Rio de seus brasões literários, para se arriscar à aventura de uma viagem de incertas probabilidades, contanto que ficasse assegurado o futuro de sua família, são palavras de Péricles Morais, que tão bem conhecera o poeta. A posição rebrilhante que conquistara nos altos círculos intelectuais da Metrópole, fruindo a intimidade dos homens mais ilustres do Brasil, da geração de Bilac e de Coelho Neto, que lhe eram devotados amigos, deixava-o indiferente à temperatura febril dos entusiasmos da província remota. O poeta fora em busca do ouro. Mas sua aventura parecia movida também pelo que o seu espírito desassossegado ansiava alcançar: a natureza misteriosa dos labirintos da floresta, os pássaros multicores, os rios caudalosos, os silenciosos igarapés. Os hábitos daquela gente humilde, os índios, o céu, tudo era rica motivação para os seus poemas. A Amazônia iria retemperar-lhe o pensamento, devolvendo-lhe o sossego, longe dos erros, injustiças e desigualdades da envolvente Metrópole. Annibal Theophilo era um ser paradoxal. Quando não se transportava à corte |
A Família Annibal Theophilo. Fotografia tirada antes da partida em 1903 para sua aventura no Amazonas. Seu filho Luís Celestino ficou aos cuidados da família do General Almada; o filho Victor Theophilo foi morar com a avó, mãe do poeta, Dona Mamita; a filha caçula, Elisinha, e Dona Sinhá, passaram a morar com o jornalista Francisco Salles, irmão, no Rio de Janeiro.
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medieval, revivendo menestréis e espadachins, antecipava-se às soluções dos problemas sociais, buscando proteção para os que sofriam e mendigavam. A fortuna que buscava no norte do país era também espiritual.
Alguns anos permaneceu Annibal Theophilo no extremo norte, exilado naquelas paragens a meditar sobre a majestade do Amazonas, percorrendo o seu vasto interior, os seus confins, estudando a sua flora, navegando os seus rios, visitando os seus seringais, todo esse mundo novo de vida exuberante, transformado em missionário de luz, num magistério ambulante e profano, a espancar as trevas do analfabetismo, escreve Antero de Almeida.
O Primeiro Contacto
O artista de A Cegonha, quase instantaneamente, impusera-se às elites intelectuais da cidade. O seu nome era pronunciado de boca em boca, no calor das admirações irrecalcáveis. As mulheres cortejavam-no, deixando-lhe entrever a volúpia que se espalhava no langor dos seus olhos enfeitiçados; e, como não pudessem requesta-lo, que a situação social do poeta era de molde a não alimentar esperanças sentimentais, abandonavam-se magnetizadas, no embalo sensual da musicalidade dos seus versos. Foi por essa época que nos conhecemos e nos fizemos amigos. Inseparáveis amigos das horas de boêmia e das contingências perigosas.
Estas são palavras de Péricles Morais, biógrafo de Coelho Neto, a quem Annibal Theophilo adorava como amigo. Nasceu entre os dois homens de letras uma amizade sincera, que o autor amazonense jamais deixou de reconhecer em suas palestras, nos seus livros, sempre como referências entusiasmadas e lisonjeiras.
O Confidente
O autor de Legendas e Águas Fortes orgulhava-se de ter sido no Amazonas o confidente de Annibal Theophilo. Dele recolhemos depoimentos pessoais sobre o fato. E no seu próprio livro sobre o amigo, afirmava: “A mim dera preferência para lhe ouvir, em primeira mão, as poesias inéditas. Quantas vezes me não recordo de vê-lo chegar à nossa “toca”, mal o dia despertava, ansioso por dizer-me os versos magníficos, produzidos na véspera, sob a inspiração de qualquer episódio afetivo imprevisível. Aos acentos do último verso, invariavelmente, no calor de um entusiasmo sem limites, os meus aplausos estrugiam. Logo depois, como se estivesse desobrigado da tarefa, tomava novos rumos, voltando no dia seguinte, para a repetição das experiências anteriores”. Mais tarde, o escritor amazonense escreveria o seu conhecido livro Confidências Literárias, em que retrata belos episódios no capítulo dedicado a Annibal Theophilo.
A Arte De Declamar
Annibal lia horas seguidas, em voz alta e compassadamente, inclusive em língua estrangeira, porque – dizia aos amigos – apurava-lhe mais a dicção e a pronúncia. O poeta embora tivesse viajado grande parte de sua adolescência com o pai, sempre conservou o sotaque gaúcho, que lhe emprestava à voz um forte e belo acento.
Sobre esse aspecto assim comenta Péricles Morais:
Constituindo-lhe, talvez, o maior dos encantos pessoais, a finura e a elegância irrepreensível de sua dicção, puro êxtase espiritual para os ouvidos educados. Sabia dizer como ninguém. Uma poesia recitada por Annibal Theophilo se renovava e se transformava, no ritmo e na sensibilidade, no cadenciar das rimas e na sonora vibração dos vocábulos. Não havia maior enlevo do que ouvi-lo nesses minutos de embevecimento, quando evocava as almas dos poetas, murmurando-lhes os versos, que a sua voz melodiosa coloria de estranhas tonalidades. Disponho de assombrosa faculdade mnemônica, repetia de cor poemas inteiros, sem vacilar nunca, sem a indecisão de um só hemistíquio. À força de ler e reler as Odes Funambulesques, o livro de Banville que mais o deleitava, reproduzia de memória quase todas as suas baladas.
Annibal, já no Rio de Janeiro, freqüentava as “horas literárias” e os “salões”, e quando de sua permanência em Manaus granjeou numerosos amigos e admiradores com a arte de dizer poemas.
Alguns anos permaneceu Annibal Theophilo no extremo norte, exilado naquelas paragens a meditar sobre a majestade do Amazonas, percorrendo o seu vasto interior, os seus confins, estudando a sua flora, navegando os seus rios, visitando os seus seringais, todo esse mundo novo de vida exuberante, transformado em missionário de luz, num magistério ambulante e profano, a espancar as trevas do analfabetismo, escreve Antero de Almeida.
O Primeiro Contacto
O artista de A Cegonha, quase instantaneamente, impusera-se às elites intelectuais da cidade. O seu nome era pronunciado de boca em boca, no calor das admirações irrecalcáveis. As mulheres cortejavam-no, deixando-lhe entrever a volúpia que se espalhava no langor dos seus olhos enfeitiçados; e, como não pudessem requesta-lo, que a situação social do poeta era de molde a não alimentar esperanças sentimentais, abandonavam-se magnetizadas, no embalo sensual da musicalidade dos seus versos. Foi por essa época que nos conhecemos e nos fizemos amigos. Inseparáveis amigos das horas de boêmia e das contingências perigosas.
Estas são palavras de Péricles Morais, biógrafo de Coelho Neto, a quem Annibal Theophilo adorava como amigo. Nasceu entre os dois homens de letras uma amizade sincera, que o autor amazonense jamais deixou de reconhecer em suas palestras, nos seus livros, sempre como referências entusiasmadas e lisonjeiras.
O Confidente
O autor de Legendas e Águas Fortes orgulhava-se de ter sido no Amazonas o confidente de Annibal Theophilo. Dele recolhemos depoimentos pessoais sobre o fato. E no seu próprio livro sobre o amigo, afirmava: “A mim dera preferência para lhe ouvir, em primeira mão, as poesias inéditas. Quantas vezes me não recordo de vê-lo chegar à nossa “toca”, mal o dia despertava, ansioso por dizer-me os versos magníficos, produzidos na véspera, sob a inspiração de qualquer episódio afetivo imprevisível. Aos acentos do último verso, invariavelmente, no calor de um entusiasmo sem limites, os meus aplausos estrugiam. Logo depois, como se estivesse desobrigado da tarefa, tomava novos rumos, voltando no dia seguinte, para a repetição das experiências anteriores”. Mais tarde, o escritor amazonense escreveria o seu conhecido livro Confidências Literárias, em que retrata belos episódios no capítulo dedicado a Annibal Theophilo.
A Arte De Declamar
Annibal lia horas seguidas, em voz alta e compassadamente, inclusive em língua estrangeira, porque – dizia aos amigos – apurava-lhe mais a dicção e a pronúncia. O poeta embora tivesse viajado grande parte de sua adolescência com o pai, sempre conservou o sotaque gaúcho, que lhe emprestava à voz um forte e belo acento.
Sobre esse aspecto assim comenta Péricles Morais:
Constituindo-lhe, talvez, o maior dos encantos pessoais, a finura e a elegância irrepreensível de sua dicção, puro êxtase espiritual para os ouvidos educados. Sabia dizer como ninguém. Uma poesia recitada por Annibal Theophilo se renovava e se transformava, no ritmo e na sensibilidade, no cadenciar das rimas e na sonora vibração dos vocábulos. Não havia maior enlevo do que ouvi-lo nesses minutos de embevecimento, quando evocava as almas dos poetas, murmurando-lhes os versos, que a sua voz melodiosa coloria de estranhas tonalidades. Disponho de assombrosa faculdade mnemônica, repetia de cor poemas inteiros, sem vacilar nunca, sem a indecisão de um só hemistíquio. À força de ler e reler as Odes Funambulesques, o livro de Banville que mais o deleitava, reproduzia de memória quase todas as suas baladas.
Annibal, já no Rio de Janeiro, freqüentava as “horas literárias” e os “salões”, e quando de sua permanência em Manaus granjeou numerosos amigos e admiradores com a arte de dizer poemas.
D. Liberalina Salles da Silva, esposa de Annibal Theophilo e os filhos do casal, Luis Celestino, Victor Theophilo e Elisa numa pose tirada em 1907, antes de embarcarem, a senhora e a filha, para a Amazônia, onde, depois de permanecerem algum tempo em Manaus, seguiram para a cidade de Sena Madureira, deixando em Lábrea o “professor”, “médico” e “protetor dos índios”. Foto: Bastos Dias, Rio, 2/5/1907.
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Visita
Depois de três anos de permanência no Amazonas, sem ter encontrado uma atividade sequer que lhe dessem vantagens pecuniárias, cresceram as preocupações do poeta com a família, distante e ansiosa pelo seu regresso. Annibal teve a alegria de encontrar-se com a esposa e a filha, que foram a Manaus visitá-lo. A estada de ambas foi curta. Dali subiram o rio Amazonas, em demanda do Território do Acre, em visita a uma irmã de Dona Liberalina, na longínqua cidade de Sena Madureira, onde moraram algum tempo, enquanto o poeta permanecia em Manaus. Parece que data dessa época a situação delicada que o casal enfrentou em sua vida conjugal. Por volta de 1911, esposa e filha já se encontravam no Rio de Janeiro, para onde Annibal Theophilo só viria em 1912, depois de tantas aventuras. Paradoxos Uma rica vida literária e uma pobre vida monetária... São palavras de Péricles Morais. Enquanto brilhava cada vez mais a sua estrela literária, mais difícil se tornava a sua situação financeira. “...afigurava-se-lhe insustentável a sua permanência na capital baré. Conseguir sem baixezas e sem transigências uma situação compatível com os seus merecimentos, não conseguiria. Submeter-se às humilhações de uma politicalha corrupta, subordinada à intolerância, a despotismos e à estupidez dos tabus da época, não se submeteria...” Voltar ao Rio, vendo malograda a sua mais auspiciosa tentativa, para expor-se ao moque de seus desafetos, não voltaria. Achou de melhor alvitre despicar-se da sua desfortuna fazendo versos – os notáveis sonetos camonianos que se enfeixam no seu único livro, e perpetrando trocadilhos onde, irreverentemente, acicatava a |
presunção literária, erigida em censora dos devaneios do seu espírito. Não eram só os vilancetes, os cantos reais, as baladas clássicas e os rondós que lhe faziam as delícias da musa boêmia. O artista, com apuro extremado de um ourives, esquadrinhava, também, as formas esdrúxulas e as rimas exóticas para grava-las, à maneira de Watteau, nos finos arabescos de suas miniaturas poéticas. Em seguida os “epitáfios” no gênero de Emílio de Menezes, improvisados num minuto de bom humor, provocando hilaridade nas assistências.
Crítica Mistificadora
Conforme já contara nas páginas de seu livro Confidências Literárias, o escritor Péricles Morais revelou no seu depoimento o que fizera com Annibal Theophilo, em Manaus, certa ocasião, para sentir-lhe a reação: “Conhecendo-lhe os excessos de suscetibilidade, propositadamente, busquei um pretexto para excitar-lhe os nervos. Fiz restrição à voga imerecida do soneto célebre. O poeta emudeceu e não se demorou em retirar-se, desapontado com a rudeza da crítica mistificadora”. Dois dias depois recebi A Cegonha, com a maravilha de uma ilustração de Calixto, marginada por uma dedicatória carinhosíssima: Ao trágico iluminado de Nostalgia da Lama (eu andava por esse tempo saturado de Baudelaire e não tinha resistido à veleidade de publicar um soneto absurdo com esse título), onde havia, entre parênteses, como a sublinhar os caracteres verticais de sua assinatura, estas palavras ressentidas, que não puderam ser recalcadas: “Perdoa, minha pobre Cegonha, este ofertório, uma vez que o faço a quem crê que a atual popularidade nada mais é que a expressão da piedade dos Eleitos”. O incidente, penoso à primeira vista, serviu apenas para aferir de nossa estima recíproca. Foi por essa ocasião que Annibal Theophilo teve a glória, como se fosse um revide inesperado, de ver o famoso soneto vertido para o francês por um poeta de requintada sensibilidade, profundo conhecedor dos mistérios e dificuldades do idioma de Racine, Argemiro Jorge.
Uma Caçada Diferente
O poeta Annibal Theophilo aproveitou o seu tempo na Amazônia para, nas horas vagas, caçar animais de grande porte. De quando em vez afastava-se de Manaus com grupos que penetravam naquele mundo de lendas e mistérios, para enfrentar o perigo.
Conhecemos no Recife, há anos, com seus 84 anos bem vividos, Raul Silas, que por algumas vezes acompanhou Annibal, selva dentro, por volta de 1905. contou-nos o “Caçador” um episódio que requereu da expedição muita fibra. Embora preparados, ele e Annibal, certa ocasião, passaram maus momentos dentro da floresta ao se afastarem do grupo. Partiam cedo de Manaus, subindo o Amazonas, à procura do lugar denominado “Igarapé das Onças”, onde deveriam fazer ponto de ação. Forte aguaceiro caiu na região, e a expedição dividiu-se para descobrir outro caminho àquele ponto. À noite, só foi possível repousar sobre as árvores. Assim fizeram Annibal e “Caçador”, que ficaram juntos, deixando passar a madrugada, empoleirados numa rede de fibra, armada a cinco metros do chão. “Annibal parecia adorar aquela aventura, cercado por milhares de mosquitos devoradores, numa algazarra que não nos deixava fechar os olhos... Pobres de nós se não tivéssemos telas protetoras”.
E Annibal dizia para o amigo:
– Ouça, “Caçador”, que beleza o chocar das águas na folhagem... que aroma delicioso...
Após ligeira refeição, caminharam cerca de uma hora, por terras alagadas, procurando o local já conhecido do poeta, em suas caçadas anteriores. Eis que de repente os dois se espantam com enorme corpo de cobra, com mais de 6 metros de comprimento, que, imóvel, devorava lentamente uma espécie de animal, não distinguida por eles, só deixando de fora duas das patas da presa. Entusiasmaram-se, porque o couro de cobra era facilmente vendável no porto, explicou o “Caçador”.
Mas o pior estava para acontecer. Num lance infeliz, mais adiante, o “Caçador” projeta-se, ao escorregar de pequena altura, e na queda parte os dois braços. Só haveria uma alternativa: voltar. Annibal improvisou talas e protegeu as fraturas do amigo, tomando rumo de onde deixara a embarcação. Para complicar mais as coisas, desabou outro temporal, atrasando muito a caminhada. Houve ocasiões em que Annibal teve que transportar o amigo sobre os ombros, desmaiado que estava. Novamente chegou a noite e tiveram que parar de novo. Mas, dessa vez, seria impossível subir nas árvores. Serviram-se de dois sacos de borracha que levaram, pernoitando no lodaçal. Annibal não conseguia dormir, preocupado com o companheiro, indagando a todo instante sobre o seu estado. A etapa final foi cumprida, ainda com o amigo nos ombros, até atingir o barco, que os trouxe de volta, motor enguiçado e Annibal nos remos.
Mais tarde, quando falávamos daquela aventura, Annibal brincava dizendo: – Foi o dia em que mais trabalhei na minha vida, nunca pensei que o “Caçador” virasse caça. (Conta Olegário Mariano)
Mergulho Na Floresta
Assumia caráter alarmante a situação financeira do poeta. A interinidade de um cartório, por alguns meses, repentinos, só serviu para agrava-la, pelo excesso de compromissos e pela impossibilidade de os solver. Foi quando um dia, em desespero de causa, sem comunicar os seus propósitos senão a mim, que lhe recebia e guardava as confidências, fugiu da capital, ainda na esperança de realizar os objetivos do seu velho sonho. Embrenhou-se na floresta, sem deixar nenhum vestígio dos seus itinerários, nenhuma informação de suas posteriores iniciativas. Envolveu-lhe o nome um silêncio de mistério e inquietação.
Onde andaria o poeta? Que mistério estaria desvendando na selva? Mas, como sempre foi homem de surpresas, ressurge como “um grande comerciante” de borracha.
O “Negociante” No Amazonas
O poeta na sua permanência no Amazonas, como vimos, distinguiu-se como homem de letras, impressionando os “salões” pela sua inteligência viva e pela irradiadora simpatia. Trabalhou como substituto no Cartório do Registro Geral e de Hipotecas de Manaus e, depois de ter por alguns anos penetrado nas selvas, fez-se negociante... É ainda o autor de Figuras e Sensações que narra:
A pureza cristalina de sua alma não lhe permitia ser, na terra famosa das nababescas fortunas improvisadas, um aventureiro ávido, desses que enriquecem em vinte e quatro horas. Annibal, numa larga porção de anos, trabalhando sem pressa e com honestidade, adquirira uma pequena fortuna que o tornaria milionário; com ela comprou uma boa partida de borracha que ingenuamente vendeu na capital amazonense por uma importância que nunca lhe foi paga pois o incorrigível sonhador cedeu fiado o fruto do seu penoso labor nos sertões agressivos.
Nessa ocasião o poeta passou uma das fases mais difíceis de sua vida de aventuras.
“El Toro” Sem Freios
Em Manaus resolveu comprar um automóvel último tipo, conversível. De capota arriada, ele e os amigos corriam pelas ruas como se fossem colegiais em férias. Pareciam “nouveaux riches”.
Certa vez, porém, os boêmios se viram em situação crítica no seu “landolé”, que disparou ladeira abaixo, sem que os freios funcionassem. Lopes Ribeiro, Péricles Morais, Souza Lobo e outros agitavam os braços para que saíssem da frente enquanto Annibal Theophilo “controlava” o volante da melhor maneira possível. Somente a inércia fez o foguete parar, permitindo que os ases saíssem ilesos.
Os moços resolveram um dia batizar o possante veículo. Então surgiu o nome célebre, sugerido por Souza Lobo, “El Toro”. A festa durou 10 horas, com discursos, declamações e brindes.
Um dia, porém, “El Toro” embarcou para outras praças. Foi vendido. Justamente depois do fracassado “negócio da borracha”. E os elegantes toureiros tiveram que voltar a andar a pé.
Depois Do Desastre: Versos
Muitos fatos curiosos ocorreram durante a permanência de Annibal Theophilo na Amazônia, além daqueles mencionados por Péricles de Morais, Martins Fontes, Theophilo de Albuquerque, Antero de Almeida, José Oiticica, Gregório Fonseca e outros amigos dos familiares do poeta. Num artigo, o escritor Heitor Lima relata o seguinte episódio:
Annibal acumulou cerca de cem contos de réis; fechou-os numa maleta, transportou-se para bordo num camarote e esperou que o vapor afinal zarpasse, deixando o Amazonas.
Mas, eis que o destino dos seres é algo profundamente misterioso e o poeta recebe, a bordo, a visita de três estrangeiros, dois bolivianos e um peruano que lhe foram propor um alto negócio. Seria a compra de toda a borracha estocada que deveria descer para o mercado, comprada por eles ao preço de 8 mil réis, devendo ser revendida por 17 mil réis. Assim foi, Annibal com sua mala e os forasteiros subiram mais uma vez o rio manso. A compra foi feita e depositada em duas lanchas fretadas por eles, que já caminhavam rio abaixo e – desastre – vão de encontro a toras de madeira que flutuavam, afundando as embarcações. A perda foi total, salvando-se os membros do grupo, mas um dos bolivianos foi fulminado por um insulto apopléctico; o outro descarregou o revólver na fronte; o peruano interrogou Annibal Theophilo sobre o que pretendia fazer. Annibal respondeu serenamente: “Versos”. E mostrou-lhe um soneto que acabava de escrever... O homem olhou-o com terror e desapareceu.
Crítica Mistificadora
Conforme já contara nas páginas de seu livro Confidências Literárias, o escritor Péricles Morais revelou no seu depoimento o que fizera com Annibal Theophilo, em Manaus, certa ocasião, para sentir-lhe a reação: “Conhecendo-lhe os excessos de suscetibilidade, propositadamente, busquei um pretexto para excitar-lhe os nervos. Fiz restrição à voga imerecida do soneto célebre. O poeta emudeceu e não se demorou em retirar-se, desapontado com a rudeza da crítica mistificadora”. Dois dias depois recebi A Cegonha, com a maravilha de uma ilustração de Calixto, marginada por uma dedicatória carinhosíssima: Ao trágico iluminado de Nostalgia da Lama (eu andava por esse tempo saturado de Baudelaire e não tinha resistido à veleidade de publicar um soneto absurdo com esse título), onde havia, entre parênteses, como a sublinhar os caracteres verticais de sua assinatura, estas palavras ressentidas, que não puderam ser recalcadas: “Perdoa, minha pobre Cegonha, este ofertório, uma vez que o faço a quem crê que a atual popularidade nada mais é que a expressão da piedade dos Eleitos”. O incidente, penoso à primeira vista, serviu apenas para aferir de nossa estima recíproca. Foi por essa ocasião que Annibal Theophilo teve a glória, como se fosse um revide inesperado, de ver o famoso soneto vertido para o francês por um poeta de requintada sensibilidade, profundo conhecedor dos mistérios e dificuldades do idioma de Racine, Argemiro Jorge.
Uma Caçada Diferente
O poeta Annibal Theophilo aproveitou o seu tempo na Amazônia para, nas horas vagas, caçar animais de grande porte. De quando em vez afastava-se de Manaus com grupos que penetravam naquele mundo de lendas e mistérios, para enfrentar o perigo.
Conhecemos no Recife, há anos, com seus 84 anos bem vividos, Raul Silas, que por algumas vezes acompanhou Annibal, selva dentro, por volta de 1905. contou-nos o “Caçador” um episódio que requereu da expedição muita fibra. Embora preparados, ele e Annibal, certa ocasião, passaram maus momentos dentro da floresta ao se afastarem do grupo. Partiam cedo de Manaus, subindo o Amazonas, à procura do lugar denominado “Igarapé das Onças”, onde deveriam fazer ponto de ação. Forte aguaceiro caiu na região, e a expedição dividiu-se para descobrir outro caminho àquele ponto. À noite, só foi possível repousar sobre as árvores. Assim fizeram Annibal e “Caçador”, que ficaram juntos, deixando passar a madrugada, empoleirados numa rede de fibra, armada a cinco metros do chão. “Annibal parecia adorar aquela aventura, cercado por milhares de mosquitos devoradores, numa algazarra que não nos deixava fechar os olhos... Pobres de nós se não tivéssemos telas protetoras”.
E Annibal dizia para o amigo:
– Ouça, “Caçador”, que beleza o chocar das águas na folhagem... que aroma delicioso...
Após ligeira refeição, caminharam cerca de uma hora, por terras alagadas, procurando o local já conhecido do poeta, em suas caçadas anteriores. Eis que de repente os dois se espantam com enorme corpo de cobra, com mais de 6 metros de comprimento, que, imóvel, devorava lentamente uma espécie de animal, não distinguida por eles, só deixando de fora duas das patas da presa. Entusiasmaram-se, porque o couro de cobra era facilmente vendável no porto, explicou o “Caçador”.
Mas o pior estava para acontecer. Num lance infeliz, mais adiante, o “Caçador” projeta-se, ao escorregar de pequena altura, e na queda parte os dois braços. Só haveria uma alternativa: voltar. Annibal improvisou talas e protegeu as fraturas do amigo, tomando rumo de onde deixara a embarcação. Para complicar mais as coisas, desabou outro temporal, atrasando muito a caminhada. Houve ocasiões em que Annibal teve que transportar o amigo sobre os ombros, desmaiado que estava. Novamente chegou a noite e tiveram que parar de novo. Mas, dessa vez, seria impossível subir nas árvores. Serviram-se de dois sacos de borracha que levaram, pernoitando no lodaçal. Annibal não conseguia dormir, preocupado com o companheiro, indagando a todo instante sobre o seu estado. A etapa final foi cumprida, ainda com o amigo nos ombros, até atingir o barco, que os trouxe de volta, motor enguiçado e Annibal nos remos.
Mais tarde, quando falávamos daquela aventura, Annibal brincava dizendo: – Foi o dia em que mais trabalhei na minha vida, nunca pensei que o “Caçador” virasse caça. (Conta Olegário Mariano)
Mergulho Na Floresta
Assumia caráter alarmante a situação financeira do poeta. A interinidade de um cartório, por alguns meses, repentinos, só serviu para agrava-la, pelo excesso de compromissos e pela impossibilidade de os solver. Foi quando um dia, em desespero de causa, sem comunicar os seus propósitos senão a mim, que lhe recebia e guardava as confidências, fugiu da capital, ainda na esperança de realizar os objetivos do seu velho sonho. Embrenhou-se na floresta, sem deixar nenhum vestígio dos seus itinerários, nenhuma informação de suas posteriores iniciativas. Envolveu-lhe o nome um silêncio de mistério e inquietação.
Onde andaria o poeta? Que mistério estaria desvendando na selva? Mas, como sempre foi homem de surpresas, ressurge como “um grande comerciante” de borracha.
O “Negociante” No Amazonas
O poeta na sua permanência no Amazonas, como vimos, distinguiu-se como homem de letras, impressionando os “salões” pela sua inteligência viva e pela irradiadora simpatia. Trabalhou como substituto no Cartório do Registro Geral e de Hipotecas de Manaus e, depois de ter por alguns anos penetrado nas selvas, fez-se negociante... É ainda o autor de Figuras e Sensações que narra:
A pureza cristalina de sua alma não lhe permitia ser, na terra famosa das nababescas fortunas improvisadas, um aventureiro ávido, desses que enriquecem em vinte e quatro horas. Annibal, numa larga porção de anos, trabalhando sem pressa e com honestidade, adquirira uma pequena fortuna que o tornaria milionário; com ela comprou uma boa partida de borracha que ingenuamente vendeu na capital amazonense por uma importância que nunca lhe foi paga pois o incorrigível sonhador cedeu fiado o fruto do seu penoso labor nos sertões agressivos.
Nessa ocasião o poeta passou uma das fases mais difíceis de sua vida de aventuras.
“El Toro” Sem Freios
Em Manaus resolveu comprar um automóvel último tipo, conversível. De capota arriada, ele e os amigos corriam pelas ruas como se fossem colegiais em férias. Pareciam “nouveaux riches”.
Certa vez, porém, os boêmios se viram em situação crítica no seu “landolé”, que disparou ladeira abaixo, sem que os freios funcionassem. Lopes Ribeiro, Péricles Morais, Souza Lobo e outros agitavam os braços para que saíssem da frente enquanto Annibal Theophilo “controlava” o volante da melhor maneira possível. Somente a inércia fez o foguete parar, permitindo que os ases saíssem ilesos.
Os moços resolveram um dia batizar o possante veículo. Então surgiu o nome célebre, sugerido por Souza Lobo, “El Toro”. A festa durou 10 horas, com discursos, declamações e brindes.
Um dia, porém, “El Toro” embarcou para outras praças. Foi vendido. Justamente depois do fracassado “negócio da borracha”. E os elegantes toureiros tiveram que voltar a andar a pé.
Depois Do Desastre: Versos
Muitos fatos curiosos ocorreram durante a permanência de Annibal Theophilo na Amazônia, além daqueles mencionados por Péricles de Morais, Martins Fontes, Theophilo de Albuquerque, Antero de Almeida, José Oiticica, Gregório Fonseca e outros amigos dos familiares do poeta. Num artigo, o escritor Heitor Lima relata o seguinte episódio:
Annibal acumulou cerca de cem contos de réis; fechou-os numa maleta, transportou-se para bordo num camarote e esperou que o vapor afinal zarpasse, deixando o Amazonas.
Mas, eis que o destino dos seres é algo profundamente misterioso e o poeta recebe, a bordo, a visita de três estrangeiros, dois bolivianos e um peruano que lhe foram propor um alto negócio. Seria a compra de toda a borracha estocada que deveria descer para o mercado, comprada por eles ao preço de 8 mil réis, devendo ser revendida por 17 mil réis. Assim foi, Annibal com sua mala e os forasteiros subiram mais uma vez o rio manso. A compra foi feita e depositada em duas lanchas fretadas por eles, que já caminhavam rio abaixo e – desastre – vão de encontro a toras de madeira que flutuavam, afundando as embarcações. A perda foi total, salvando-se os membros do grupo, mas um dos bolivianos foi fulminado por um insulto apopléctico; o outro descarregou o revólver na fronte; o peruano interrogou Annibal Theophilo sobre o que pretendia fazer. Annibal respondeu serenamente: “Versos”. E mostrou-lhe um soneto que acabava de escrever... O homem olhou-o com terror e desapareceu.
A Emoção Do Amigo
Há uma passagem na vida do poeta Annibal Theophilo que nunca foi mencionada por seus amigos, mas que é do conhecimento dos seus parentes mais chegados. O próprio escritor e grande amigo de Annibal, Péricles Morais, no seu trabalho sobre o poeta, ao fato não se referiu. Depois de ter-se saído mal nos negócios de borracha, sem dinheiro, Annibal Theophilo deixou de freqüentar os salões literários que tanto amava. Desaparecera por quase três meses. Um certo dia, eis que o seu bom amigo Souza Lobo espantou-se com a cena que presenciava e dizia: o poeta de versos tão belos, o filósofo, o delicado artista admirado por toda a sociedade, senhor de tantos amigos, trabalhava no descarregamento de toras de lenha, num lugar afastado de Manaus, com a maior naturalidade deste mundo. E disse ao amigo: “Tivesse eu o corpo delicado de Bilac, de Gregório, dos Anjos...”
Annibal Theophilo era sonhador, generoso, franco. Em todos os seus gestos transparecia ternura. Na sua cruzada protetora da gente humilde do deserto verde, nunca economizou intrepidez e desprendimento. E não tivesse tanto amado a vida, não se teria interessado com aquele ardor e grandeza pelos necessitados nas aventuras do Amazonas. (Péricles Morais)
Professor, Médico, Dentista, Missionário
Depois do seu grande fracasso como negociante, Annibal Theophilo teria que optar por outra atividade que lhe assegurasse recursos. Novamente cresce o ânimo no poeta e este penetra mais uma vez nas matas amazônicas.
O pensamento agora era outro. Não insistiria mais nos negócios de borracha, nem de lenha. E outra solução não teve senão a de ir lecionar no Alto Purus e no Madeira... “Começou a lecionar a tabuada e o “abc” aos caboclinhos, donde regressou gravemente enfermo”. (Péricles Morais, in Confidências Literárias).
Peregrinou Annibal Theophilo, como professor, por vários pontos, ao longo dos afluentes dos Amazonas. Conseguiram localiza-lo, certa feita, em Três Casas, por intermédio de pessoa amiga, mas que só conhecia aquele lugarejo de passagem. Lá, ele era muito mais que o mestre, era protetor dos desamparados, porque a sua experiência da vida e o seu coração o impeliam muito mais do que lecionar a proteger a gente humilde. Foi assim que o viram em busca de novos caminhos “onde pudesse dar expansão à vivacidade do seu espírito e à energia do seu temperamento”.
No mapa da Amazônia podemos localizar as pequenas e distantes cidades da vasta região por onde andou o poeta, ao longo do Madeira e do Purus. Uma delas, Lábrea; outra, Três Casas que, como o nome indica, possuía só três habitações, esta sem registro na carta geográfica. Lá estivera com o seu fraterno amigo, Manoel de Souza Lobo, que mais tarde seria o companheiro de viagem à Europa.
Os “papais Lobo e Annibal”, como eram chamados pelos ali habitantes, eram verdadeiros protetores daquelas populações pobres. Medicavam, davam alimentos, improvisando auxílios a todos que a eles recorressem. E não eram poucos os Cambebas do grupo Tupi, cujo idioma o poeta dominava perfeitamente.
Os dois desbravadores da selva inóspita, além da missão a que se propuseram, tinham sempre em mente a realização de um negócio nos seringais. Claro, visavam à obtenção de resultados financeiros que compensassem o sacrifício. Para Annibal estavam interditos tais entendimentos comerciais, em face dos fracassos anteriores do poeta. Naturalmente, a Lobo, homem experimentado em negócios, caberia a tarefa.
O poeta, de outra parte, muitas vezes pusera em prática os seus conhecimentos odontológicos, não sem antes ter que convencer aquela gente a se submeter a um rápido sacrifício para se livrar da dor.
Há uma passagem na vida do poeta Annibal Theophilo que nunca foi mencionada por seus amigos, mas que é do conhecimento dos seus parentes mais chegados. O próprio escritor e grande amigo de Annibal, Péricles Morais, no seu trabalho sobre o poeta, ao fato não se referiu. Depois de ter-se saído mal nos negócios de borracha, sem dinheiro, Annibal Theophilo deixou de freqüentar os salões literários que tanto amava. Desaparecera por quase três meses. Um certo dia, eis que o seu bom amigo Souza Lobo espantou-se com a cena que presenciava e dizia: o poeta de versos tão belos, o filósofo, o delicado artista admirado por toda a sociedade, senhor de tantos amigos, trabalhava no descarregamento de toras de lenha, num lugar afastado de Manaus, com a maior naturalidade deste mundo. E disse ao amigo: “Tivesse eu o corpo delicado de Bilac, de Gregório, dos Anjos...”
Annibal Theophilo era sonhador, generoso, franco. Em todos os seus gestos transparecia ternura. Na sua cruzada protetora da gente humilde do deserto verde, nunca economizou intrepidez e desprendimento. E não tivesse tanto amado a vida, não se teria interessado com aquele ardor e grandeza pelos necessitados nas aventuras do Amazonas. (Péricles Morais)
Professor, Médico, Dentista, Missionário
Depois do seu grande fracasso como negociante, Annibal Theophilo teria que optar por outra atividade que lhe assegurasse recursos. Novamente cresce o ânimo no poeta e este penetra mais uma vez nas matas amazônicas.
O pensamento agora era outro. Não insistiria mais nos negócios de borracha, nem de lenha. E outra solução não teve senão a de ir lecionar no Alto Purus e no Madeira... “Começou a lecionar a tabuada e o “abc” aos caboclinhos, donde regressou gravemente enfermo”. (Péricles Morais, in Confidências Literárias).
Peregrinou Annibal Theophilo, como professor, por vários pontos, ao longo dos afluentes dos Amazonas. Conseguiram localiza-lo, certa feita, em Três Casas, por intermédio de pessoa amiga, mas que só conhecia aquele lugarejo de passagem. Lá, ele era muito mais que o mestre, era protetor dos desamparados, porque a sua experiência da vida e o seu coração o impeliam muito mais do que lecionar a proteger a gente humilde. Foi assim que o viram em busca de novos caminhos “onde pudesse dar expansão à vivacidade do seu espírito e à energia do seu temperamento”.
No mapa da Amazônia podemos localizar as pequenas e distantes cidades da vasta região por onde andou o poeta, ao longo do Madeira e do Purus. Uma delas, Lábrea; outra, Três Casas que, como o nome indica, possuía só três habitações, esta sem registro na carta geográfica. Lá estivera com o seu fraterno amigo, Manoel de Souza Lobo, que mais tarde seria o companheiro de viagem à Europa.
Os “papais Lobo e Annibal”, como eram chamados pelos ali habitantes, eram verdadeiros protetores daquelas populações pobres. Medicavam, davam alimentos, improvisando auxílios a todos que a eles recorressem. E não eram poucos os Cambebas do grupo Tupi, cujo idioma o poeta dominava perfeitamente.
Os dois desbravadores da selva inóspita, além da missão a que se propuseram, tinham sempre em mente a realização de um negócio nos seringais. Claro, visavam à obtenção de resultados financeiros que compensassem o sacrifício. Para Annibal estavam interditos tais entendimentos comerciais, em face dos fracassos anteriores do poeta. Naturalmente, a Lobo, homem experimentado em negócios, caberia a tarefa.
O poeta, de outra parte, muitas vezes pusera em prática os seus conhecimentos odontológicos, não sem antes ter que convencer aquela gente a se submeter a um rápido sacrifício para se livrar da dor.
Possuía um poder especial de atrair os necessitados, caboclos e índios que o cercavam como se dele pudessem obter remédio para os seus males. E o poeta se deixava ficar naquela região como se um dever lhe impusesse tal dedicação. Por duas vezes tivera que ser parteiro, durante a sua permanência no sertão, além dos cuidados médicos que oferecia aos seus protegidos, afirmava o acadêmico Péricles Morais, repetindo as palavras do amigo comum Souza Lobo, pioneiro também nas longas temporadas na hinterlândia.
Muitos fatos dizem do cuidado que dispensava o poeta aos caboclos e índios no tocante à higiene. Aconselhava que esfregassem os dentes com folhas apropriadas, cortassem as unhas, tomassem banho com essência de plantas, arrumassem os cabelos. Aplicava e exigia o tratamento caseiro indicado contra a malária, o tifo e diarréias; providenciava ainda o isolamento para os casos de lepra e tuberculose. Os remédios para os casos mais graves eram trazidos quando o poeta regressava das viagens a Manaus, onde recorria a amigos influentes para conseguir alguma quantidade de medicamentos. Sem ter nenhum auxílio oficial, empolgava-se com a aventura. Mais tarde, cruel recompensa da sua generosidade, viria a sofrer de impaludismo. |
O mapa acima indica os lugares por onde passou Annibal Theophilo. Estão assinalados por uma cruz. Três Casas não aparece, mas consta dos documentos do Instituto Geográfico.
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Euclides da Cunha vaticinava – “Na Amazônia o homem é um intruso.”
Palavras De Um Forte
Sobre o meu ser, neste momento augusto,
A asa da sombra, lenta e fria passa...
A ameaça da morte fez nascer um belo soneto. E a magnífica pena de Péricles Morais, dentre os muitos que viveram com o seu amigo Annibal Theophilo, descreve no livro Confidências Literárias um episódio dos mais emocionantes.
Eis que numa noite de chuva – lembro-me bem desse pormenor – o vejo entrar em nossa casa, transformado numa ruína viva, combalido, esquelético, as feições de um livor cadavérico, desbaratado pela malária. Recolheu-se a um quarto de hospital, e viveu longas semanas entre a vida e a morte. Foi nesse estado de abatimento físico e depressão moral, contando somente com o conforto de amigos raros, entre os quais Manoel de Souza Lobo e Péricles Morais, e quase isolado no meio de estranhos, que Annibal Theophilo, em cruciante agonia, escreveu os versos de Palavras de um Forte, inscritos depois na lápide de seu túmulo.
É comovente a história da gênese do soneto, que ficou célebre, referida pelo próprio poeta ao escritor G. Falcão.
Annibal foi tratado com paciência e carinho. Houve um momento, porém, em que o médico, julgando-o perdido, achou prudente dizer-lhe que tomasse as suas últimas medidas e manifestasse os seus derradeiros desejos. Calmo, Annibal tomou as deliberações convinháveis à sua família e, depois, sem perder a serenidade, ditou aos seus amigos o soneto a que Péricles Morais deu o título Palavras de um forte e no qual, “sereno em face do infinito”, transluz a tranqüilidade e pura elevação de uma alma verdadeiramente heróica.
Péricles Morais confessou-nos que uma das grandes alegrias que Annibal lhe proporcionou foi o oferecimento do poema, que ele próprio havia batizado, nascido que foi numa hora de tanta emoção. Palavras de um Forte foi comentado por José Oiticica em magnífica conferência que consta deste livro. Nela, lembrando as emoções mais altas do poeta, repete os versos finais do soneto:
“Arde-me a fronte a auréola dos Eleitos
Estou sereno em face do Infinito.”
Bombardeio De Manaus
Foi espalhado pela cidade de Manaus, no dia 8 de outubro de 1910, o seguinte boletim:
Insistindo o Sr. Governador do Estado em não passar o exercício ao seu substituto legal, depois de ter perdido o mandato, em virtude do disposto no Artigo 43 da Constituição, conforme reconheceu o Congresso do Estado, as forças de terra e mar, solicitadas pelo Sr. Vice-Governador em exercício, avisam à população que vão bombardear a cidade, a começar de uma hora da tarde, a fim de que todos tomem as devidas precauções para garantia e segurança de suas vidas.
Assinado – Antônio Gonçalves P. de Sá Peixoto, Vice-Governador em exercício;
Coronel Telles de Queiroz, Comandante da 1ª Região Militar;
Francisco C. da Costa Mendes, Comandante da Flotilha.
O próprio panfleto já nos diz da situação tensa que ali reinava. Lamentavelmente a ameaça foi concretizada, no dia 10, semeando o pânico entre a população, que teve que se sujeitar aos caprichos dos políticos e aos descontroles dos militares.
Nessa ocasião, Annibal Theophilo, que, a bem dizer, nada tinha com a história, viu-se indignado e, além de usar a imprensa em artigo inflamado, dirigiu-se ao quartel e interpelou o comando sobre aquela atitude descabida em prejuízo do povo.
Que mentalidade tem esse Coronel que não honra a sua farda? A população não merece tal crime... Já que vocês querem depor o homem, basta que as tropas cerquem o palácio...
Seria inevitável a sua prisão. Os companheiros da imprensa baré preveniram Annibal Theophilo de que seria preso e eliminado, segundo boatos. O poeta permaneceu algum tempo sob a proteção dos amigos Heliodoro Balbi, Adriano Jorge, Péricles Morais, Bentes Guerreiro, todos do Correio do Norte; Taumaturgo Vaz, da Folha do Amazonas; Aprígio Menezes, do Comércio do Amazonas; Raimundo Monteiro, jornalistas e escritores, ora com um ora com outro, afastado de Manaus, até que na companhia de Souza Lobo, que lhe adquirira a passagem por 125 mil réis, partiu para a Europa, pelo vapor Hildebrand.
Tempos depois, reconciliavam-se os políticos do grupo Bittencourt e Nery, fato comentado com blague nos jornais Pingos e Respingos, assinados por Cyrano e Cia.
Os Destinos De Annibal Theophilo E Euclides Da Cunha
Euclides da Cunha, no ano de 1905, estivera em missão oficial na Amazônia e se impressionara fortemente. Profundo observador dos fenômenos de nossa história político-social, assinalava em carta a José Veríssimo: “E, sem querer, achei o traço essencial deste portentoso habitat. É uma terra que ainda se está preparando para o homem, para o homem que a invadiu fora de tempo, impertinentemente, em plena arrumação de um cenário maravilhoso.”
Os destinos de Euclides da Cunha e Annibal Theophilo se tocaram.
Conheceram-se na Campanha de Canudos, no fim do século, vivendo as emoções da guerra; encontraram-se na passagem do primeiro qüinqüênio do século, na Amazônia, onde o poeta já estava há dois anos. Naquele momento, porém, as vibrações eram outras diante dos mistérios e do fascínio da natureza. Mais tarde ambos iriam morrer de maneira trágica.
Depoimento
Foi um dos meus melhores amigos da mocidade esse glorioso poeta, ardente cavaleiro da beleza, cujo nome vale por um símbolo de coragem, de renúncia e de heroísmo. Jamais esquecerei a sua figura impressionante de homem, sempre alerta na minha imaginação, todas as vezes que, nos silêncios da saudade, lhe recordo a vida agitada e tumultuária. Revivo agora os seus trechos emocionantes, plasmando-lhe o cérebro e o coração, com o fervor religioso dos que não são indiferentes aos coloridos impressivos das paisagens humanas.
O amor, a glória, o sacrifício do aedo paladino, no ímpeto, na revolta e nos frêmitos que lhe sublevavam as paixões; a glória, no tumulto flamejante dos perigos, desafiando desdenhosamente a morte; o sacrifício, no epílogo sombrio da última tragédia. Vida que a sua arte reproduziu no cenário vivo das angústias, dos lances desesperados de seu destino. Assim inicia Péricles Morais no seu livro Confidências Literárias o capítulo em que fala de Annibal Theophilo. E acrescenta: “O destino conduziu-o ao norte para que pudéssemos conhecer uma figura heróica e lendária.”
Viagem
Annibal Theophilo partiu para a Europa, visando a realizar um dos seus grandes sonhos. Após aquela fase difícil que o poeta atravessou em Manaus, vindo do interior com a saúde seriamente abalada, seria útil a viagem para que se refizesse das forças perdidas. Mas o que desejava mesmo era conseguir publicar o seu livro Rimas.
Enquanto naquela época todos que se dirigiam à Europa seguiam o caminho direto de Paris, Annibal queria permanecer na Península Ibérica. Fiel às suas raízes, gostaria de usar todo o tempo disponível na terra dos seus antepassados. Partiu para a Europa cheio de esperança. Embarcou no Hildebrand em companhia do seu grande amigo Souza Lobo, que lhe custeara a viagem. Souza Lobo era o “grande amigo que sempre alentou o meu coração em horas de incerteza e desânimo.”
Palavras De Um Forte
Sobre o meu ser, neste momento augusto,
A asa da sombra, lenta e fria passa...
A ameaça da morte fez nascer um belo soneto. E a magnífica pena de Péricles Morais, dentre os muitos que viveram com o seu amigo Annibal Theophilo, descreve no livro Confidências Literárias um episódio dos mais emocionantes.
Eis que numa noite de chuva – lembro-me bem desse pormenor – o vejo entrar em nossa casa, transformado numa ruína viva, combalido, esquelético, as feições de um livor cadavérico, desbaratado pela malária. Recolheu-se a um quarto de hospital, e viveu longas semanas entre a vida e a morte. Foi nesse estado de abatimento físico e depressão moral, contando somente com o conforto de amigos raros, entre os quais Manoel de Souza Lobo e Péricles Morais, e quase isolado no meio de estranhos, que Annibal Theophilo, em cruciante agonia, escreveu os versos de Palavras de um Forte, inscritos depois na lápide de seu túmulo.
É comovente a história da gênese do soneto, que ficou célebre, referida pelo próprio poeta ao escritor G. Falcão.
Annibal foi tratado com paciência e carinho. Houve um momento, porém, em que o médico, julgando-o perdido, achou prudente dizer-lhe que tomasse as suas últimas medidas e manifestasse os seus derradeiros desejos. Calmo, Annibal tomou as deliberações convinháveis à sua família e, depois, sem perder a serenidade, ditou aos seus amigos o soneto a que Péricles Morais deu o título Palavras de um forte e no qual, “sereno em face do infinito”, transluz a tranqüilidade e pura elevação de uma alma verdadeiramente heróica.
Péricles Morais confessou-nos que uma das grandes alegrias que Annibal lhe proporcionou foi o oferecimento do poema, que ele próprio havia batizado, nascido que foi numa hora de tanta emoção. Palavras de um Forte foi comentado por José Oiticica em magnífica conferência que consta deste livro. Nela, lembrando as emoções mais altas do poeta, repete os versos finais do soneto:
“Arde-me a fronte a auréola dos Eleitos
Estou sereno em face do Infinito.”
Bombardeio De Manaus
Foi espalhado pela cidade de Manaus, no dia 8 de outubro de 1910, o seguinte boletim:
Insistindo o Sr. Governador do Estado em não passar o exercício ao seu substituto legal, depois de ter perdido o mandato, em virtude do disposto no Artigo 43 da Constituição, conforme reconheceu o Congresso do Estado, as forças de terra e mar, solicitadas pelo Sr. Vice-Governador em exercício, avisam à população que vão bombardear a cidade, a começar de uma hora da tarde, a fim de que todos tomem as devidas precauções para garantia e segurança de suas vidas.
Assinado – Antônio Gonçalves P. de Sá Peixoto, Vice-Governador em exercício;
Coronel Telles de Queiroz, Comandante da 1ª Região Militar;
Francisco C. da Costa Mendes, Comandante da Flotilha.
O próprio panfleto já nos diz da situação tensa que ali reinava. Lamentavelmente a ameaça foi concretizada, no dia 10, semeando o pânico entre a população, que teve que se sujeitar aos caprichos dos políticos e aos descontroles dos militares.
Nessa ocasião, Annibal Theophilo, que, a bem dizer, nada tinha com a história, viu-se indignado e, além de usar a imprensa em artigo inflamado, dirigiu-se ao quartel e interpelou o comando sobre aquela atitude descabida em prejuízo do povo.
Que mentalidade tem esse Coronel que não honra a sua farda? A população não merece tal crime... Já que vocês querem depor o homem, basta que as tropas cerquem o palácio...
Seria inevitável a sua prisão. Os companheiros da imprensa baré preveniram Annibal Theophilo de que seria preso e eliminado, segundo boatos. O poeta permaneceu algum tempo sob a proteção dos amigos Heliodoro Balbi, Adriano Jorge, Péricles Morais, Bentes Guerreiro, todos do Correio do Norte; Taumaturgo Vaz, da Folha do Amazonas; Aprígio Menezes, do Comércio do Amazonas; Raimundo Monteiro, jornalistas e escritores, ora com um ora com outro, afastado de Manaus, até que na companhia de Souza Lobo, que lhe adquirira a passagem por 125 mil réis, partiu para a Europa, pelo vapor Hildebrand.
Tempos depois, reconciliavam-se os políticos do grupo Bittencourt e Nery, fato comentado com blague nos jornais Pingos e Respingos, assinados por Cyrano e Cia.
Os Destinos De Annibal Theophilo E Euclides Da Cunha
Euclides da Cunha, no ano de 1905, estivera em missão oficial na Amazônia e se impressionara fortemente. Profundo observador dos fenômenos de nossa história político-social, assinalava em carta a José Veríssimo: “E, sem querer, achei o traço essencial deste portentoso habitat. É uma terra que ainda se está preparando para o homem, para o homem que a invadiu fora de tempo, impertinentemente, em plena arrumação de um cenário maravilhoso.”
Os destinos de Euclides da Cunha e Annibal Theophilo se tocaram.
Conheceram-se na Campanha de Canudos, no fim do século, vivendo as emoções da guerra; encontraram-se na passagem do primeiro qüinqüênio do século, na Amazônia, onde o poeta já estava há dois anos. Naquele momento, porém, as vibrações eram outras diante dos mistérios e do fascínio da natureza. Mais tarde ambos iriam morrer de maneira trágica.
Depoimento
Foi um dos meus melhores amigos da mocidade esse glorioso poeta, ardente cavaleiro da beleza, cujo nome vale por um símbolo de coragem, de renúncia e de heroísmo. Jamais esquecerei a sua figura impressionante de homem, sempre alerta na minha imaginação, todas as vezes que, nos silêncios da saudade, lhe recordo a vida agitada e tumultuária. Revivo agora os seus trechos emocionantes, plasmando-lhe o cérebro e o coração, com o fervor religioso dos que não são indiferentes aos coloridos impressivos das paisagens humanas.
O amor, a glória, o sacrifício do aedo paladino, no ímpeto, na revolta e nos frêmitos que lhe sublevavam as paixões; a glória, no tumulto flamejante dos perigos, desafiando desdenhosamente a morte; o sacrifício, no epílogo sombrio da última tragédia. Vida que a sua arte reproduziu no cenário vivo das angústias, dos lances desesperados de seu destino. Assim inicia Péricles Morais no seu livro Confidências Literárias o capítulo em que fala de Annibal Theophilo. E acrescenta: “O destino conduziu-o ao norte para que pudéssemos conhecer uma figura heróica e lendária.”
Viagem
Annibal Theophilo partiu para a Europa, visando a realizar um dos seus grandes sonhos. Após aquela fase difícil que o poeta atravessou em Manaus, vindo do interior com a saúde seriamente abalada, seria útil a viagem para que se refizesse das forças perdidas. Mas o que desejava mesmo era conseguir publicar o seu livro Rimas.
Enquanto naquela época todos que se dirigiam à Europa seguiam o caminho direto de Paris, Annibal queria permanecer na Península Ibérica. Fiel às suas raízes, gostaria de usar todo o tempo disponível na terra dos seus antepassados. Partiu para a Europa cheio de esperança. Embarcou no Hildebrand em companhia do seu grande amigo Souza Lobo, que lhe custeara a viagem. Souza Lobo era o “grande amigo que sempre alentou o meu coração em horas de incerteza e desânimo.”
Aos quarenta anos de idade, sua situação financeira era outra, bem diferente daquela que atravessara, desde a morte do pai, em 1903, quando foi buscar fortuna no extremo norte, nos confins do Amazonas. Agora, em 1912, com o lançamento de Rimas, tão apreciado pela crítica, desenvolvia intensa atividade intelectual ao lado dos ilustres nomes da literatura da época. Ocupava o posto de secretário do Teatro Municipal, de grande projeção naquele tempo. A posição do poeta na sociedade era das mais destacadas. E para sua maior glória e alegria, seus versos encantavam as platéias literárias, ultrapassando os limites da Capital.
A carga cerrada dos louvores absorvia-lhe a personalidade. O poeta ascendera ao pináculo da montanha. Estava no apogeu da fama, declara Péricles Morais, que acrescenta:
Coelho Neto, que lhe tinha afeição paterna, acolhera-o no recesso do lar, à rua Rozo.
Bilac, pela imprensa, com seu pseudônimo de Pangloss, fizera-lhe a consagração do nome, revelando-o na beleza integral de sua radiosa predestinação.
Alcides Maya traça-lhe o elogio da nobreza intelectual.
Martins Fontes dizia: “O seu espírito temperava-se no aço do heroísmo, à chama da pureza”.
O poeta, além do livro impresso em Portugal, tinha outras produções para mostrar aos seus muitos amigos escritores e artistas, que, apesar do tempo em que esteve ausente da Metrópole – cerca de 9 anos – não o esqueceram. Se Annibal, antes, já era uma figura que impressionava pelo seu temperamento forte, agora que voltara das terras ardentes de Espanha, e depois de ter permanecido longos anos na selva amazônica, crescera de prestígio, despertando vivo interesse.
Olegário Mariano, mais moço que Annibal Theophilo, dizia que naquela época, no regresso do poeta, os grupos jovens buscavam ansiosamente a companhia do “cavalheiro romântico para conhecer-lhe todas as histórias e lendas”. Vitório de Castro, Hermes Fontes, Homero Prates, Heitor Lima, Felipe de Oliveira, Eduardo Guimarães, Ronald de Carvalho, Leal de Souza, Humberto de Campos, Lindolfo Collor, e tantos outros confraternizavam com o poeta naqueles tempos gloriosos.
Uma Conferência De Annibal Theophilo
O ano de 1913 foi marcado pela realização de numerosas conferências literárias. Annibal Theophilo não desdenhou a moda, proferindo umas das que obtiveram maior repercussão, Poesia e Arte dos Árabes, fruto de suas observações em terras de Espanha.
A Seção da revista Careta, “Artes e Letras”, de outubro de 1913, comenta o falto nos seguintes termos: O cintilante poeta emotivo das Rimas, na última quinta-feira de outubro, perante uma seleta assistência, dissertando sobre os “Trovadores Árabes de Espanha”, como estava anunciado, realizou no salão nobre do “Jornal do Comércio” a 10ª conferência literária da série do corrente ano. O autor de Rimas, que já tinha uma invejável e merecida reputação de poeta, demonstrou, nessa conferência, escrevendo com sobriedade elegante, os seus méritos de prosador. Em mais de uma hora, numa síntese admirável, encantando o auditório com as trovas arábicas, Annibal Theophilo historiou os contatos dos árabes com os espanhóis e a influência daqueles na arte e na vida destes.
Abordando o conferencista a influência moura no ocidente, historiou acontecimentos que comprovavam não somente a força militar das hordas invasoras, como também a penetração da sua cultura no ambiente mediterrâneo europeu. Lembrou o terrível general Okba, com a sua proclamação, ao chegar ao Atlântico, entrando n’água até a cintura: “Alah! Invoco o teu testemunho de que não levo mais longe o teu santo nome e a vitória das minhas armas, porque não há mais terras!”
E relatando a história dessa conquista, ilustrava suas palavras com a poesia revolucionária “Cantos de Guerra”.
Aproveitando a paz que sobreveio à sua grandeza nascente, começou Abderraman em Córdova, de cujo esplendor lançou os alicerces, a construção de grande mesquita que ainda hoje sobressai entre ruínas de inúmeras obras e primor da arte mourisca, como uma das maravilhas do mundo. Analisa então, o poeta, o desenvolvimento da cultura oriental e a assimilação dos dominados (e houve assimilação recíproca) reavivando sempre temas poéticos. Renan, em sua obra O Islamismo e a Ciência, escreve: “A língua árabe – o latim do Corão – presta-se admiravelmente à poesia e à eloqüência. Schack afirma que as mulheres eram ali mais livres que entre os outros povos maometanos, misturando-se facilmente com os da península.
Fala das lendas de amor, dos personagens ardentes e românticos, de costumes tão peculiares, comenta o desenvolvimento das ciências e artes mouras, “A mocidade de todas as partes do mundo maometano afluía em grande número às academias de Córdova, Sevilha, Toledo e Valência”; muitíssimos andaluzes percorreram o norte da África e a Ásia, visitando as escolas de Tunis, Kairvan, Cairo, Damasco, Bassora, Meca e outras.
Séculos bem mais tarde, observavam o conferencista, na Espanha, os poetas apressam o pulsar dos corações dos seus admiradores, concitando-os à Guerra Santa, tecendo louvores aos heróis, entoando nênias aos mortos em combate, lamentando as cidades conquistadas pelos inimigos.
Annibal Theophilo evoca uma série de poetas que surgiram durante os sete séculos de dominação oriental: Al-Motadid, Alen-Omar, Ibn-Cafadsc, Ferhun-bem-Abdalah, Abull-Maschi, As-Suhaili, Ibn-Zuhr, Ibn-ul-Habbad, citando muitos dos seus poemas. E conclui: Era tal o prestígio que haviam conquistado as Escolas de Córdova e de Sevilha que o próprio sacerdócio católico e os que se preocupavam com assuntos mentais, pondo de parte as antipatias religiosas, iam receber nos seus cursos um elemento de educação que não podiam encontrar em outra parte.
O poeta, tão influenciado pelas idéias dos autores espanhóis, reconhece a importância da presença moura que veio a produzir, pelo processo de aculturação, gerações de escritores marcados pelo fogo ardente da raça invasora.
Auxiliar Interino, Ajudante E Diretor Do Teatro Municipal
O Setor Administrativo do Departamento de História e Documentação da Secretaria de Educação e Cultura, do antigo Distrito Federal, oferece informações sobre a atuação de Annibal Theophilo no Teatro Municipal. Em 29 de maio de 1912 foi designado para o cargo de auxiliar interino, com exercício no Teatro Municipal.
Do livro de 1914, consta ainda a seguinte anotação: Pelo ofício nº 37, da Diretoria do Teatro Municipal, de 27 de maio de 1914, foi comunicado que por despacho do Dr. Prefeito, de 24 de abril de 1914, foi mandado abonar ao auxiliar Annibal Theophilo a gratificação de Rs 200$000, mensais, correspondente ao cargo de Ajudante do Teatro Municipal, a contar de 1º de abril, por se achar servindo acumuladamente o referido cargo na ausência do serventuário efetivo, que se acha licenciado.
Por ato de 14 de novembro de 1914, foi nomeado interinamente para o lugar de “Ajudante do Teatro Municipal”, durante o impedimento do efetivo, tomando posse, sem interrupção, a 16 do mesmo mês.
Por despacho do Dr. Prefeito, de 25 de fevereiro de 1915, exarado na petição nº 104, do referido funcionário, foi paga a diferença de vencimentos, do período de 15 a 31 de dezembro de 1914, tempo em que serviu como Diretor.
O poeta permaneceu até o seu último dia de vida na administração da grande casa de espetáculos, embora já estivessem os serviços daquele teatro sob o controle do Patrimônio, a cuja frente estava Raul Cardoso.
Nos tempos da Belle Époque no Rio de Janeiro vamos encontrar os célebres “Salões”, as “Horas Literárias”, os “Colóquios de Intelectuais”, que tinham lugar nas residências particulares, nos Clubes, nas salas de conferências, nos cafés, confeitarias e livrarias da cidade. No início do século mudou completamente a fisionomia da Capital, quando, no governo Rodrigues Alves, Lauro Muller, Paulo de Frontin e Pereira Passos cuidaram da abertura da Avenida Central, que acrescentou à tão decantada beleza natural da cidade as edificações modernas. A foto acima, cedida pela Diretoria do Museu do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, mostra uma larga extensão da Avenida Central, já pavimentada, onde estavam sendo erguidas as paredes do Teatro Municipal, em 1906. Aparecem, ainda, os terrenos onde viriam a ser erigidos o Clube Naval, a Biblioteca Nacional, o Museu de Belas Artes, o Jóquei Clube e o famoso Palace Hotel Avenida, hoje desaparecido. Ao longe, podemos observar a cúpula, em construção, do Palácio Monroe e o casarão do Convento da Ajuda, depois substituído pelos edifícios da Cinelândia.
A carga cerrada dos louvores absorvia-lhe a personalidade. O poeta ascendera ao pináculo da montanha. Estava no apogeu da fama, declara Péricles Morais, que acrescenta:
Coelho Neto, que lhe tinha afeição paterna, acolhera-o no recesso do lar, à rua Rozo.
Bilac, pela imprensa, com seu pseudônimo de Pangloss, fizera-lhe a consagração do nome, revelando-o na beleza integral de sua radiosa predestinação.
Alcides Maya traça-lhe o elogio da nobreza intelectual.
Martins Fontes dizia: “O seu espírito temperava-se no aço do heroísmo, à chama da pureza”.
O poeta, além do livro impresso em Portugal, tinha outras produções para mostrar aos seus muitos amigos escritores e artistas, que, apesar do tempo em que esteve ausente da Metrópole – cerca de 9 anos – não o esqueceram. Se Annibal, antes, já era uma figura que impressionava pelo seu temperamento forte, agora que voltara das terras ardentes de Espanha, e depois de ter permanecido longos anos na selva amazônica, crescera de prestígio, despertando vivo interesse.
Olegário Mariano, mais moço que Annibal Theophilo, dizia que naquela época, no regresso do poeta, os grupos jovens buscavam ansiosamente a companhia do “cavalheiro romântico para conhecer-lhe todas as histórias e lendas”. Vitório de Castro, Hermes Fontes, Homero Prates, Heitor Lima, Felipe de Oliveira, Eduardo Guimarães, Ronald de Carvalho, Leal de Souza, Humberto de Campos, Lindolfo Collor, e tantos outros confraternizavam com o poeta naqueles tempos gloriosos.
Uma Conferência De Annibal Theophilo
O ano de 1913 foi marcado pela realização de numerosas conferências literárias. Annibal Theophilo não desdenhou a moda, proferindo umas das que obtiveram maior repercussão, Poesia e Arte dos Árabes, fruto de suas observações em terras de Espanha.
A Seção da revista Careta, “Artes e Letras”, de outubro de 1913, comenta o falto nos seguintes termos: O cintilante poeta emotivo das Rimas, na última quinta-feira de outubro, perante uma seleta assistência, dissertando sobre os “Trovadores Árabes de Espanha”, como estava anunciado, realizou no salão nobre do “Jornal do Comércio” a 10ª conferência literária da série do corrente ano. O autor de Rimas, que já tinha uma invejável e merecida reputação de poeta, demonstrou, nessa conferência, escrevendo com sobriedade elegante, os seus méritos de prosador. Em mais de uma hora, numa síntese admirável, encantando o auditório com as trovas arábicas, Annibal Theophilo historiou os contatos dos árabes com os espanhóis e a influência daqueles na arte e na vida destes.
Abordando o conferencista a influência moura no ocidente, historiou acontecimentos que comprovavam não somente a força militar das hordas invasoras, como também a penetração da sua cultura no ambiente mediterrâneo europeu. Lembrou o terrível general Okba, com a sua proclamação, ao chegar ao Atlântico, entrando n’água até a cintura: “Alah! Invoco o teu testemunho de que não levo mais longe o teu santo nome e a vitória das minhas armas, porque não há mais terras!”
E relatando a história dessa conquista, ilustrava suas palavras com a poesia revolucionária “Cantos de Guerra”.
Aproveitando a paz que sobreveio à sua grandeza nascente, começou Abderraman em Córdova, de cujo esplendor lançou os alicerces, a construção de grande mesquita que ainda hoje sobressai entre ruínas de inúmeras obras e primor da arte mourisca, como uma das maravilhas do mundo. Analisa então, o poeta, o desenvolvimento da cultura oriental e a assimilação dos dominados (e houve assimilação recíproca) reavivando sempre temas poéticos. Renan, em sua obra O Islamismo e a Ciência, escreve: “A língua árabe – o latim do Corão – presta-se admiravelmente à poesia e à eloqüência. Schack afirma que as mulheres eram ali mais livres que entre os outros povos maometanos, misturando-se facilmente com os da península.
Fala das lendas de amor, dos personagens ardentes e românticos, de costumes tão peculiares, comenta o desenvolvimento das ciências e artes mouras, “A mocidade de todas as partes do mundo maometano afluía em grande número às academias de Córdova, Sevilha, Toledo e Valência”; muitíssimos andaluzes percorreram o norte da África e a Ásia, visitando as escolas de Tunis, Kairvan, Cairo, Damasco, Bassora, Meca e outras.
Séculos bem mais tarde, observavam o conferencista, na Espanha, os poetas apressam o pulsar dos corações dos seus admiradores, concitando-os à Guerra Santa, tecendo louvores aos heróis, entoando nênias aos mortos em combate, lamentando as cidades conquistadas pelos inimigos.
Annibal Theophilo evoca uma série de poetas que surgiram durante os sete séculos de dominação oriental: Al-Motadid, Alen-Omar, Ibn-Cafadsc, Ferhun-bem-Abdalah, Abull-Maschi, As-Suhaili, Ibn-Zuhr, Ibn-ul-Habbad, citando muitos dos seus poemas. E conclui: Era tal o prestígio que haviam conquistado as Escolas de Córdova e de Sevilha que o próprio sacerdócio católico e os que se preocupavam com assuntos mentais, pondo de parte as antipatias religiosas, iam receber nos seus cursos um elemento de educação que não podiam encontrar em outra parte.
O poeta, tão influenciado pelas idéias dos autores espanhóis, reconhece a importância da presença moura que veio a produzir, pelo processo de aculturação, gerações de escritores marcados pelo fogo ardente da raça invasora.
Auxiliar Interino, Ajudante E Diretor Do Teatro Municipal
O Setor Administrativo do Departamento de História e Documentação da Secretaria de Educação e Cultura, do antigo Distrito Federal, oferece informações sobre a atuação de Annibal Theophilo no Teatro Municipal. Em 29 de maio de 1912 foi designado para o cargo de auxiliar interino, com exercício no Teatro Municipal.
Do livro de 1914, consta ainda a seguinte anotação: Pelo ofício nº 37, da Diretoria do Teatro Municipal, de 27 de maio de 1914, foi comunicado que por despacho do Dr. Prefeito, de 24 de abril de 1914, foi mandado abonar ao auxiliar Annibal Theophilo a gratificação de Rs 200$000, mensais, correspondente ao cargo de Ajudante do Teatro Municipal, a contar de 1º de abril, por se achar servindo acumuladamente o referido cargo na ausência do serventuário efetivo, que se acha licenciado.
Por ato de 14 de novembro de 1914, foi nomeado interinamente para o lugar de “Ajudante do Teatro Municipal”, durante o impedimento do efetivo, tomando posse, sem interrupção, a 16 do mesmo mês.
Por despacho do Dr. Prefeito, de 25 de fevereiro de 1915, exarado na petição nº 104, do referido funcionário, foi paga a diferença de vencimentos, do período de 15 a 31 de dezembro de 1914, tempo em que serviu como Diretor.
O poeta permaneceu até o seu último dia de vida na administração da grande casa de espetáculos, embora já estivessem os serviços daquele teatro sob o controle do Patrimônio, a cuja frente estava Raul Cardoso.
Nos tempos da Belle Époque no Rio de Janeiro vamos encontrar os célebres “Salões”, as “Horas Literárias”, os “Colóquios de Intelectuais”, que tinham lugar nas residências particulares, nos Clubes, nas salas de conferências, nos cafés, confeitarias e livrarias da cidade. No início do século mudou completamente a fisionomia da Capital, quando, no governo Rodrigues Alves, Lauro Muller, Paulo de Frontin e Pereira Passos cuidaram da abertura da Avenida Central, que acrescentou à tão decantada beleza natural da cidade as edificações modernas. A foto acima, cedida pela Diretoria do Museu do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, mostra uma larga extensão da Avenida Central, já pavimentada, onde estavam sendo erguidas as paredes do Teatro Municipal, em 1906. Aparecem, ainda, os terrenos onde viriam a ser erigidos o Clube Naval, a Biblioteca Nacional, o Museu de Belas Artes, o Jóquei Clube e o famoso Palace Hotel Avenida, hoje desaparecido. Ao longe, podemos observar a cúpula, em construção, do Palácio Monroe e o casarão do Convento da Ajuda, depois substituído pelos edifícios da Cinelândia.
Direção Artística
Seguem-se, a título ilustrativo, alguns dados sobre a assinatura de um contrato feito entre o empresário Walter Mocchi e a direção do Teatro Municipal, e também de sua rescisão. No início, o nome de Annibal Theophilo aparece como testemunha, e, depois, no distrato, como ajudante interino da Diretoria Geral do Teatro Municipal.
Contrato firmado com o empresário Walter Mocchi em 15 de dezembro de 1913, assinado por Francisco de Oliveira Passos, diretor da Diretoria Geral do Teatro Municipal. Da 6ª cláusula consta:
“...terá um repertório eclético, contendo, além de óperas italianas antigas e modernas, também óperas wagnerianas, francesas, russas e nacionais...”
“...cujo elenco deverá apresentar, no mínimo, 3 prima-donas, 2 tenores, 2 barítonos, 2 baixos, todos de primeira ordem; 65 professores de orquestra e 24 bailarinas, etc., etc...”
“...para o fim de levar a efeito, no Teatro Municipal, espetáculos de primeira ordem...”
“Termo de rescisão do contrato celebrado entre a Prefeitura do Distrito Federal e o Sr. Walter Mocchi, de nacionalidade italiana, empresário teatral em Buenos Aires, República Argentina...”
“...E eu, Annibal Theophilo, ajudante interino da Diretoria Geral do Teatro Municipal, o subscrevo.
Rio de Janeiro, 7 de novembro de 1914.”
No ano de 1914, dia 2 de dezembro, uma mensagem, de nº 323, solicitava extinção da Diretoria do Teatro Municipal, cujos serviços passariam para o Patrimônio.
No Boletim do 1º semestre de 1915, página 303, lê-se: “Foi exonerado da extinta Diretoria Geral do Teatro Municipal o ajudante interino Annibal Theophilo, a 29 de janeiro de 1915.
Seguem-se, a título ilustrativo, alguns dados sobre a assinatura de um contrato feito entre o empresário Walter Mocchi e a direção do Teatro Municipal, e também de sua rescisão. No início, o nome de Annibal Theophilo aparece como testemunha, e, depois, no distrato, como ajudante interino da Diretoria Geral do Teatro Municipal.
Contrato firmado com o empresário Walter Mocchi em 15 de dezembro de 1913, assinado por Francisco de Oliveira Passos, diretor da Diretoria Geral do Teatro Municipal. Da 6ª cláusula consta:
“...terá um repertório eclético, contendo, além de óperas italianas antigas e modernas, também óperas wagnerianas, francesas, russas e nacionais...”
“...cujo elenco deverá apresentar, no mínimo, 3 prima-donas, 2 tenores, 2 barítonos, 2 baixos, todos de primeira ordem; 65 professores de orquestra e 24 bailarinas, etc., etc...”
“...para o fim de levar a efeito, no Teatro Municipal, espetáculos de primeira ordem...”
“Termo de rescisão do contrato celebrado entre a Prefeitura do Distrito Federal e o Sr. Walter Mocchi, de nacionalidade italiana, empresário teatral em Buenos Aires, República Argentina...”
“...E eu, Annibal Theophilo, ajudante interino da Diretoria Geral do Teatro Municipal, o subscrevo.
Rio de Janeiro, 7 de novembro de 1914.”
No ano de 1914, dia 2 de dezembro, uma mensagem, de nº 323, solicitava extinção da Diretoria do Teatro Municipal, cujos serviços passariam para o Patrimônio.
No Boletim do 1º semestre de 1915, página 303, lê-se: “Foi exonerado da extinta Diretoria Geral do Teatro Municipal o ajudante interino Annibal Theophilo, a 29 de janeiro de 1915.
Annibal Theophilo em mesa de trabalho, na Secretaria do Teatro Municipal, poucos dias antes de sua morte.
Temporadas
De 2 a 28 de setembro de 1913 foram levados, no Teatro Municipal, 25 espetáculos entre récitas de assinaturas populares e vesperais, pela Cia. Lírica Italiana de Walter Mocchi, “La Teatral”, que tinha como maestros principais Gino Mamuzzi e o brasileiro Alberto Nepomuceno. A orquestra e o corpo de baile eram do Teatro Costanzi, de Roma. Foram apresentadas com grande sucesso as óperas de Wagner “Walkirias”, “Lohengrin” e “Parsifal” e de Berlioz, a “Danação de Fausto”. Sobressaíram-se dentre os figurantes: Capella, Casazza, Farneti, Bernardo de Muro, Palet, De Luca e Cirino.
Em 1914 houve 22 récitas, sob o controle do maestro Vitale, destacando-se Hidalgo, Ippolito Lazzaro, Schippa, Denise. A novidade era a “Parisina”, de Mascagni e a “Fanciulla Del West”, de Puccini. Estes foram dias de glória do poeta, amante da arte cênica.
Temporadas
De 2 a 28 de setembro de 1913 foram levados, no Teatro Municipal, 25 espetáculos entre récitas de assinaturas populares e vesperais, pela Cia. Lírica Italiana de Walter Mocchi, “La Teatral”, que tinha como maestros principais Gino Mamuzzi e o brasileiro Alberto Nepomuceno. A orquestra e o corpo de baile eram do Teatro Costanzi, de Roma. Foram apresentadas com grande sucesso as óperas de Wagner “Walkirias”, “Lohengrin” e “Parsifal” e de Berlioz, a “Danação de Fausto”. Sobressaíram-se dentre os figurantes: Capella, Casazza, Farneti, Bernardo de Muro, Palet, De Luca e Cirino.
Em 1914 houve 22 récitas, sob o controle do maestro Vitale, destacando-se Hidalgo, Ippolito Lazzaro, Schippa, Denise. A novidade era a “Parisina”, de Mascagni e a “Fanciulla Del West”, de Puccini. Estes foram dias de glória do poeta, amante da arte cênica.
O Presidente Da República E Os Seus Auxiliares
Martins Fontes, com muita graça e no seu estilo tão próprio, relata no livro Colar Partido um caso curioso, que teve a participação de Bilac e seus companheiros.
Bilac tinha o gênio da pilhéria. Uma vez fomos à sua casa numa das nossas visitas literárias. Resolvemos fazer-lhe uma farsa e tomamos ares circunspectos. Bilac recebeu-nos sem saber do que se tratava, mas porque tinha o dom divinatório, friamente, interrogou: “– De que se trata, meus caros senhores?” Goulart de Andrade então lhe disse: “– Caro chefe, o nosso partido vem oferecer-lhe a presidência da República, para salvarmos a pátria.” Bilac aceitou o posto de sacrifício. E começamos os trabalhos para a organização do ministério. A equipe era só de intelectuais:
Coelho Neto – Ministério da Marinha
Thomas Lopes – Ministério das Relações Exteriores
Raymundo Correia – Ministério da Justiça
Goulart de Andrade – Ministério da Aviação
Alberto de Oliveira – Ministério da Agricultura
Luís Delfino – Ministério das Finanças
Gregório Fonseca – Ministério da Guerra
Marcolino Fagundes & Guimarães Passos - Secr. do Presid.
Martins Fontes – Saúde Pública
Leal de Souza – Chefatura de Polícia
Annibal Theophilo – Central do Brasil
Augusto Maia – Instrução Pública
Nélson Líbero – Banco do Brasil
Alcides Maya – Biblioteca Nacional
Henrique de Holanda – Introdutor Diplomático
Bastos Tigre – Instituto Nacional de Música
Boêmia
O nosso pouso era como as nuvens: fugidio; o nosso pão era como as chuvas: problemático; mas a ilusão fulgia em nossas almas e não havia, entre as dos fartos milionários, fortuna igual à nossa, estudiosa mocidade sonhadora...
Eis a vida: a ilusão superava as vicissitudes – a mocidade sonhadora possuía a sua fortuna na poesia, na natureza, na beleza das mulheres, no vinho, no convívio dos amigos.
As horas literárias, os salões do Rio de Janeiro davam intensidade às atividades intelectuais. Ali se reuniam os poeta e escritores, os pintores e artistas em geral. Mas, diariamente, e até pela madrugada, os encontros se davam nas confeitarias, cafés e bares, nas livrarias da cidade, pontos que deixaram nome na história de nossa literatura boêmia.
Difícil seria enumerar os boêmios famosos da época no Rio de Janeiro ou relatar todos os episódios curiosos de que participaram. Mas de forma graciosa Martins Fontes, no Colar Partido, Nós, as Abelhas e Terras de Fantasia, aborda o tema:
Uma despedida, uma chegada, e lá vêm as quadrinhas; uma troça, uma brincadeira, e nada se resolve sem versos ou pelo menos sem trocadilhos.
Amigos ou inimigos iam para a berlinda, vítimas dos repentes ácidos nos quais era mestre o famoso paranaense Emílio de Menezes, que foi para a Academia porque os acadêmicos que lhe deram o voto teriam sido coagidos pelo receio que lhes causavam as sátiras mordazes do poeta. Na verdade, Emílio granjeou uma fama que deveria ser repartida com muitos outros, pois alguns boêmios pareciam mais empenhados em deixar anedotas do que obras.
Trocadilhista inimitável, a sua verve esfuziava, num transbordamento contínuo, descobrindo ridículos e hipertrofiando defeitos. Os seus epigramas, que não passavam de leves beliscões na epiderme, primavam pela ausência de perversidade. Caricaturava o indivíduo sem ferir-lhe os melindres. Assim era a graça do poeta Annibal Theophilo, segundo Péricles Morais.
Era um caricaturista verbal admirabilíssimo. Ninguém arremedava como ele, descobria, física ou moralmente, o aleijão de alguém. Há disparates de Annibal, infantilidade, maluquices impagáveis, diz-nos Fontes, ainda.
Quando na Bahia, Annibal procurou o caixa Bulhões, no quartel, para fazer um vale. O dinheiro andava curto e o Bulhões se queixou de que muitos não estavam correspondendo nas devoluções, especialmente o Requião.
Este mereceu uma quadrinha saborosa de Annibal, como se vê da ilustração ao lado.
Martins Fontes, com muita graça e no seu estilo tão próprio, relata no livro Colar Partido um caso curioso, que teve a participação de Bilac e seus companheiros.
Bilac tinha o gênio da pilhéria. Uma vez fomos à sua casa numa das nossas visitas literárias. Resolvemos fazer-lhe uma farsa e tomamos ares circunspectos. Bilac recebeu-nos sem saber do que se tratava, mas porque tinha o dom divinatório, friamente, interrogou: “– De que se trata, meus caros senhores?” Goulart de Andrade então lhe disse: “– Caro chefe, o nosso partido vem oferecer-lhe a presidência da República, para salvarmos a pátria.” Bilac aceitou o posto de sacrifício. E começamos os trabalhos para a organização do ministério. A equipe era só de intelectuais:
Coelho Neto – Ministério da Marinha
Thomas Lopes – Ministério das Relações Exteriores
Raymundo Correia – Ministério da Justiça
Goulart de Andrade – Ministério da Aviação
Alberto de Oliveira – Ministério da Agricultura
Luís Delfino – Ministério das Finanças
Gregório Fonseca – Ministério da Guerra
Marcolino Fagundes & Guimarães Passos - Secr. do Presid.
Martins Fontes – Saúde Pública
Leal de Souza – Chefatura de Polícia
Annibal Theophilo – Central do Brasil
Augusto Maia – Instrução Pública
Nélson Líbero – Banco do Brasil
Alcides Maya – Biblioteca Nacional
Henrique de Holanda – Introdutor Diplomático
Bastos Tigre – Instituto Nacional de Música
Boêmia
O nosso pouso era como as nuvens: fugidio; o nosso pão era como as chuvas: problemático; mas a ilusão fulgia em nossas almas e não havia, entre as dos fartos milionários, fortuna igual à nossa, estudiosa mocidade sonhadora...
Eis a vida: a ilusão superava as vicissitudes – a mocidade sonhadora possuía a sua fortuna na poesia, na natureza, na beleza das mulheres, no vinho, no convívio dos amigos.
As horas literárias, os salões do Rio de Janeiro davam intensidade às atividades intelectuais. Ali se reuniam os poeta e escritores, os pintores e artistas em geral. Mas, diariamente, e até pela madrugada, os encontros se davam nas confeitarias, cafés e bares, nas livrarias da cidade, pontos que deixaram nome na história de nossa literatura boêmia.
Difícil seria enumerar os boêmios famosos da época no Rio de Janeiro ou relatar todos os episódios curiosos de que participaram. Mas de forma graciosa Martins Fontes, no Colar Partido, Nós, as Abelhas e Terras de Fantasia, aborda o tema:
Uma despedida, uma chegada, e lá vêm as quadrinhas; uma troça, uma brincadeira, e nada se resolve sem versos ou pelo menos sem trocadilhos.
Amigos ou inimigos iam para a berlinda, vítimas dos repentes ácidos nos quais era mestre o famoso paranaense Emílio de Menezes, que foi para a Academia porque os acadêmicos que lhe deram o voto teriam sido coagidos pelo receio que lhes causavam as sátiras mordazes do poeta. Na verdade, Emílio granjeou uma fama que deveria ser repartida com muitos outros, pois alguns boêmios pareciam mais empenhados em deixar anedotas do que obras.
Trocadilhista inimitável, a sua verve esfuziava, num transbordamento contínuo, descobrindo ridículos e hipertrofiando defeitos. Os seus epigramas, que não passavam de leves beliscões na epiderme, primavam pela ausência de perversidade. Caricaturava o indivíduo sem ferir-lhe os melindres. Assim era a graça do poeta Annibal Theophilo, segundo Péricles Morais.
Era um caricaturista verbal admirabilíssimo. Ninguém arremedava como ele, descobria, física ou moralmente, o aleijão de alguém. Há disparates de Annibal, infantilidade, maluquices impagáveis, diz-nos Fontes, ainda.
Quando na Bahia, Annibal procurou o caixa Bulhões, no quartel, para fazer um vale. O dinheiro andava curto e o Bulhões se queixou de que muitos não estavam correspondendo nas devoluções, especialmente o Requião.
Este mereceu uma quadrinha saborosa de Annibal, como se vê da ilustração ao lado.
Algumas quadrinhas de Annibal Theophilo, mostras da sua veia satírica. O poeta inventou ainda as “ônzimas bárbaras”, de grande sucesso na época, e muito do agrado de Emílio de Menezes, que sabia muitas de cor.
As quadrinhas que o poeta fez deveriam servir de epitáfio para cada um dos personagens, entre os quais ele próprio.
Nesta quadra solta o poeta faz uma caricatura de um tal Lisboa, sem a técnica das “ônzimas bárbaras”, que chegaram a ultrapassar uma centena, segundo comentário de Martins Fontes:
“Dorme aqui um sono de aço
O Lisboa compridão;
Nasceu para ser palhaço
Mas errou a profissão.”
Um dos grandes “freqüentadores” e propagadores de Annibal Theophilo foi Emílio de Menezes, o rei da graça, exuberante, irônico, sempre curioso por mais uma “ônzima bárbara”.
Emílio de Menezes, Bastos Tigre, Marcolino Fagundes, Guimarães Passos, Annibal Theophilo, formavam um grupo terrível e arrasador, com seus trocadilhos, piadas e repentes.
Pseudônimos
Não fugindo à moda, Annibal Theophilo usou alguns pseudônimos na sua vida literária. Capitão Gomes, lembrando o Amazonas; Vol-Taire nos dias da Confeitaria Colombo; Chico Tetéia nas Ônzimas Bárbaras; Chico Lambeta nas histórias infantis.
“A Casa Da Alegria”
Reportando-nos ainda ao espírito reinante na época, poderíamos fornecer, recorrendo ao biógrafo Raimundo de Menezes, em “Emílio de Menezes, o Último Boêmio”, algumas informações sobre como se procedeu à construção da “Casa da Alegria”.
Um dos grandes boêmios do Rio de Janeiro, Emílio Winter, programara a criação de uma empresa que daria grandes lucros. “Winter e Cia.” seria o nome da empresa, e Martins Fontes dizia ser uma reação à imprensa, jornais e revistas que pagavam tão mal. A Seção de Anedotas Eclesiásticas pertenceria a Winter. Emílio de Menezes ficaria com as anedotas e as piadas corrosivas sobre a política, a literatura, a sociedade. Coelho Neto e Guilherme Milward lembrariam as pilhérias históricas; Goulart de Andrade, Leal de Souza, Bastos Tigre, Henrique de Holanda, Raul Pederneiras, Annibal Theophilo inventariam chufas, na hora, piadas “à la minute”, de acordo com a cara do freguês. Assim foi na Colombo, que passou a ser considerada a livraria “onde as garrafas seriam devoradas como livros”. Deveria surgir, então, a “Universidade Pilhéria”, a “Santa Casa da Troça”.
No próprio livro que citamos acima, sobre um dos azes de nossa boêmia, encontram-se vários capítulos que dizem bem daquela época no Rio de Janeiro. Cite-se também o Paula Ney, do mesmo autor, que retrata a vida de outra grande figura do Rio antigo e alegre, bem como a série de Martins Fontes.
Eu
Em 1912, Augusto dos Anjos publicou o seu único e famoso livro Eu. A estranha personalidade do autor despertou controvérsias, dada a sua linguagem difícil, científica e de encoberto lirismo. Ainda hoje, decorridos tantos anos, o Eu continua seduzindo e perturbando os amantes da poesia.
Quando do seu lançamento, surgiram alguns epigramas dedicados ao magro e arredio Augusto dos Anjos. Aqui temos um deles, sem autor expresso, encontrado entre os papéis de Annibal Theophilo, batido a máquina:
“Teu vocábulo devora
Ó poeta, ó carniceiro;
Pareces Anjo por fora
Por dentro, és um braseiro.”
Annibal Theophilo, nas suas implicâncias com Augusto dos Anjos, chamava-o de Angústia dos Anjos ou ainda Angústia do Eu. O paraibano não gostava muito, mas sabia ser incorrigível o confrade sulista, que por sinal decorara muitos dos poemas do Eu, fato que muito sensibilizava o trágico poeta, que, circunspecto, ouvia o artista de A Cegonha declamar seus versos.
Mário Pederneiras, um dos precursores do modernismo, grande poeta, deliciava-se com o autor de Rimas, quando o via abandonar os seus padrões clássicos para divulgar os versos brancos que ele, Annibal, não sabia compor, mas de que era primoroso intérprete.
É interessante relembrar tudo isso porque o poeta de Impressões de Vigo entusiasmava pela facilidade que tinha em guardar e dizer com perfeição os versos que seus amigos mal haviam escrito ou publicado.
A literatura brasileira recebia influências especialmente da França, e “o nosso esteticismo” indígena (que não tinha este nome) preferia o Parnasianismo (mais helênico) ao Simbolismo, afirma o professor Almeida Couzin.
Para compreender melhor o ambiente cultural do início do século até a eclosão do Modernismo, não precisaríamos recapitular as filigranas do Simbolismo e a paisagem grega do Parnasianismo, através dos seus adeptos mais ilustres, pois muitos deles entraram a freqüentar alternadamente os jardins de Verlaine e de Leconte (Amadeu Amaral, in A Poesia de Ontem e de Hoje). Houve, na verdade, um prolongado período de transição na literatura brasileira, considerado como Sincretista, pelo professor Tasso da Silveira (Variações sobre a Poesia Brasileira, na Revista Brasileira). E o Pré-Modernismo, na classificação de Alceu Amoroso Lima (Quadro Sintético da Literatura Brasileira). Posteriormente, o simbolismo e o parnasianismo, convivendo com o interesse crescente dos homens de letras pelos assuntos brasileiros, vieram confluir no chamado Período Nacionalista, segundo a definição de Amoroso Lima, de inegável sentido eclético.
Não parece lícito concluir, como alguns autores, que o simbolismo e parnasianismo, nas letras brasileiras, tenham tido movimentos vazios, infecundos. Acompanhamos os críticos que reconhecem a sua real importância e as “tendências inovadoras”, tal como define Afrânio Coutinho, in A Literatura no Brasil, que trouxeram e que vieram a constituir o clima pré-modernista.
As primeiras manifestações do modernismo não conquistaram Annibal Theophilo para as formas libertas do rigorismo clássico, para a ausência da métrica e da rima, para os versos brancos, com “o seu vocabulário e os seus temas prediletos” (João Ribeiro). Mas Annibal Theophilo, “um troveiro ressurgido que fala como nós” (José Oiticica), sem afastar-se dos temas antigos, iria compreender o movimento. Valendo-se de sua memória privilegiada contribuiu para a divulgação dos primeiros, versos modernos e sociais de Mário Pederneiras, Hermes Fontes, Adelmar Tavares, Luís Carlos, Batista Cepelos e outros. Curioso, entretanto, (esclarece Fernando Góes in Panorama da Poesia Brasileira) foi que em meio à onda socializante, em pleno nacionalismo, quando se inicia o processo de reforma geral da poesia e da arte poética, surge um grupo de “puristas”. Lembrem-se os nomes de José Albano, José Lannes, Atílio Milano e Annibal Theophilo, que reviveram “todas essas formas arcaicas (soneto camoniano, vilancete, redondilhas, trovas com eco) com grande brilho, com grande beleza e, acentue-se, com grande sentimento”. O competente autor procura justificar “o aparecimento dessa falange de puristas arcaístas” com o próprio nacionalismo, depois do longo período de dominação francesa e do Parnasianismo e do Simoblismo, significando isso, possivelmente, “uma volta às próprias origens de nossa poesia, ou seja, à poesia de Portugal, inconsciente rebelião àquele domínio...”
Ao tentar explicar a posição literária de Annibal Theophilo, cabe dar ênfase ao fato de se ter mantido sempre fiel à sua concepção artística, sem concessões às escolas novas que ganhavam corpo. Foi sempre um clássico, fiel às influências camonianas.
Até os últimos dias da sua produção não renegou o passado, sempre sóbrio, simples, nunca derramado.
Realmente, já na fase das reformas sociais e das revelações científicas, não se deixou converter. Presenciou o movimento abolicionista de 1888, como estudante aos 15 anos; assistiu, no ano seguinte, à implantação no país do sistema republicano; depois, poeta-soldado, como o fora Gabriel D’Annunzio, participou da Revolta da Armada, em 1893-94, e em Canudos em 1896-97; viveu lances épicos na floresta amazônica, mas continuou o rapsodo sonhador, voltado para os temas antigos. Vemo-lo saudoso e filosófico em Ruínas, “numa saudade eterna de outras eras”, sem jamais ter retratado nos seus versos os episódios dramáticos da história brasileira. Era “um retardatário sublime”, “de linha sóbria e gesto altivo”, tal como o definiu Alcides Maya.
As quadrinhas que o poeta fez deveriam servir de epitáfio para cada um dos personagens, entre os quais ele próprio.
Nesta quadra solta o poeta faz uma caricatura de um tal Lisboa, sem a técnica das “ônzimas bárbaras”, que chegaram a ultrapassar uma centena, segundo comentário de Martins Fontes:
“Dorme aqui um sono de aço
O Lisboa compridão;
Nasceu para ser palhaço
Mas errou a profissão.”
Um dos grandes “freqüentadores” e propagadores de Annibal Theophilo foi Emílio de Menezes, o rei da graça, exuberante, irônico, sempre curioso por mais uma “ônzima bárbara”.
Emílio de Menezes, Bastos Tigre, Marcolino Fagundes, Guimarães Passos, Annibal Theophilo, formavam um grupo terrível e arrasador, com seus trocadilhos, piadas e repentes.
Pseudônimos
Não fugindo à moda, Annibal Theophilo usou alguns pseudônimos na sua vida literária. Capitão Gomes, lembrando o Amazonas; Vol-Taire nos dias da Confeitaria Colombo; Chico Tetéia nas Ônzimas Bárbaras; Chico Lambeta nas histórias infantis.
“A Casa Da Alegria”
Reportando-nos ainda ao espírito reinante na época, poderíamos fornecer, recorrendo ao biógrafo Raimundo de Menezes, em “Emílio de Menezes, o Último Boêmio”, algumas informações sobre como se procedeu à construção da “Casa da Alegria”.
Um dos grandes boêmios do Rio de Janeiro, Emílio Winter, programara a criação de uma empresa que daria grandes lucros. “Winter e Cia.” seria o nome da empresa, e Martins Fontes dizia ser uma reação à imprensa, jornais e revistas que pagavam tão mal. A Seção de Anedotas Eclesiásticas pertenceria a Winter. Emílio de Menezes ficaria com as anedotas e as piadas corrosivas sobre a política, a literatura, a sociedade. Coelho Neto e Guilherme Milward lembrariam as pilhérias históricas; Goulart de Andrade, Leal de Souza, Bastos Tigre, Henrique de Holanda, Raul Pederneiras, Annibal Theophilo inventariam chufas, na hora, piadas “à la minute”, de acordo com a cara do freguês. Assim foi na Colombo, que passou a ser considerada a livraria “onde as garrafas seriam devoradas como livros”. Deveria surgir, então, a “Universidade Pilhéria”, a “Santa Casa da Troça”.
No próprio livro que citamos acima, sobre um dos azes de nossa boêmia, encontram-se vários capítulos que dizem bem daquela época no Rio de Janeiro. Cite-se também o Paula Ney, do mesmo autor, que retrata a vida de outra grande figura do Rio antigo e alegre, bem como a série de Martins Fontes.
Eu
Em 1912, Augusto dos Anjos publicou o seu único e famoso livro Eu. A estranha personalidade do autor despertou controvérsias, dada a sua linguagem difícil, científica e de encoberto lirismo. Ainda hoje, decorridos tantos anos, o Eu continua seduzindo e perturbando os amantes da poesia.
Quando do seu lançamento, surgiram alguns epigramas dedicados ao magro e arredio Augusto dos Anjos. Aqui temos um deles, sem autor expresso, encontrado entre os papéis de Annibal Theophilo, batido a máquina:
“Teu vocábulo devora
Ó poeta, ó carniceiro;
Pareces Anjo por fora
Por dentro, és um braseiro.”
Annibal Theophilo, nas suas implicâncias com Augusto dos Anjos, chamava-o de Angústia dos Anjos ou ainda Angústia do Eu. O paraibano não gostava muito, mas sabia ser incorrigível o confrade sulista, que por sinal decorara muitos dos poemas do Eu, fato que muito sensibilizava o trágico poeta, que, circunspecto, ouvia o artista de A Cegonha declamar seus versos.
Mário Pederneiras, um dos precursores do modernismo, grande poeta, deliciava-se com o autor de Rimas, quando o via abandonar os seus padrões clássicos para divulgar os versos brancos que ele, Annibal, não sabia compor, mas de que era primoroso intérprete.
É interessante relembrar tudo isso porque o poeta de Impressões de Vigo entusiasmava pela facilidade que tinha em guardar e dizer com perfeição os versos que seus amigos mal haviam escrito ou publicado.
A literatura brasileira recebia influências especialmente da França, e “o nosso esteticismo” indígena (que não tinha este nome) preferia o Parnasianismo (mais helênico) ao Simbolismo, afirma o professor Almeida Couzin.
Para compreender melhor o ambiente cultural do início do século até a eclosão do Modernismo, não precisaríamos recapitular as filigranas do Simbolismo e a paisagem grega do Parnasianismo, através dos seus adeptos mais ilustres, pois muitos deles entraram a freqüentar alternadamente os jardins de Verlaine e de Leconte (Amadeu Amaral, in A Poesia de Ontem e de Hoje). Houve, na verdade, um prolongado período de transição na literatura brasileira, considerado como Sincretista, pelo professor Tasso da Silveira (Variações sobre a Poesia Brasileira, na Revista Brasileira). E o Pré-Modernismo, na classificação de Alceu Amoroso Lima (Quadro Sintético da Literatura Brasileira). Posteriormente, o simbolismo e o parnasianismo, convivendo com o interesse crescente dos homens de letras pelos assuntos brasileiros, vieram confluir no chamado Período Nacionalista, segundo a definição de Amoroso Lima, de inegável sentido eclético.
Não parece lícito concluir, como alguns autores, que o simbolismo e parnasianismo, nas letras brasileiras, tenham tido movimentos vazios, infecundos. Acompanhamos os críticos que reconhecem a sua real importância e as “tendências inovadoras”, tal como define Afrânio Coutinho, in A Literatura no Brasil, que trouxeram e que vieram a constituir o clima pré-modernista.
As primeiras manifestações do modernismo não conquistaram Annibal Theophilo para as formas libertas do rigorismo clássico, para a ausência da métrica e da rima, para os versos brancos, com “o seu vocabulário e os seus temas prediletos” (João Ribeiro). Mas Annibal Theophilo, “um troveiro ressurgido que fala como nós” (José Oiticica), sem afastar-se dos temas antigos, iria compreender o movimento. Valendo-se de sua memória privilegiada contribuiu para a divulgação dos primeiros, versos modernos e sociais de Mário Pederneiras, Hermes Fontes, Adelmar Tavares, Luís Carlos, Batista Cepelos e outros. Curioso, entretanto, (esclarece Fernando Góes in Panorama da Poesia Brasileira) foi que em meio à onda socializante, em pleno nacionalismo, quando se inicia o processo de reforma geral da poesia e da arte poética, surge um grupo de “puristas”. Lembrem-se os nomes de José Albano, José Lannes, Atílio Milano e Annibal Theophilo, que reviveram “todas essas formas arcaicas (soneto camoniano, vilancete, redondilhas, trovas com eco) com grande brilho, com grande beleza e, acentue-se, com grande sentimento”. O competente autor procura justificar “o aparecimento dessa falange de puristas arcaístas” com o próprio nacionalismo, depois do longo período de dominação francesa e do Parnasianismo e do Simoblismo, significando isso, possivelmente, “uma volta às próprias origens de nossa poesia, ou seja, à poesia de Portugal, inconsciente rebelião àquele domínio...”
Ao tentar explicar a posição literária de Annibal Theophilo, cabe dar ênfase ao fato de se ter mantido sempre fiel à sua concepção artística, sem concessões às escolas novas que ganhavam corpo. Foi sempre um clássico, fiel às influências camonianas.
Até os últimos dias da sua produção não renegou o passado, sempre sóbrio, simples, nunca derramado.
Realmente, já na fase das reformas sociais e das revelações científicas, não se deixou converter. Presenciou o movimento abolicionista de 1888, como estudante aos 15 anos; assistiu, no ano seguinte, à implantação no país do sistema republicano; depois, poeta-soldado, como o fora Gabriel D’Annunzio, participou da Revolta da Armada, em 1893-94, e em Canudos em 1896-97; viveu lances épicos na floresta amazônica, mas continuou o rapsodo sonhador, voltado para os temas antigos. Vemo-lo saudoso e filosófico em Ruínas, “numa saudade eterna de outras eras”, sem jamais ter retratado nos seus versos os episódios dramáticos da história brasileira. Era “um retardatário sublime”, “de linha sóbria e gesto altivo”, tal como o definiu Alcides Maya.
Goulart de Andrade, Bastos Tigre e Annibal Theophilo. O poeta gaúcho fez Baladas à Goulart de Andrade e fez sátiras à Bastos Tigre. Inclusive inventou as curiosas “Ônzimas Bárbaras”, que ultrapassaram a uma centena, muito comentadas nas reuniões literárias da época.
Aniversário Da Revista
Annibal Theophilo colaborou também nas páginas da revista Fon-Fon. O diretor da revista, Sabino Magalhães, seu companheiro de vida militar, quando cadetes em Porto Alegre e Rio de Janeiro, convidou o poeta para participar do seu corpo de redatores. No aniversário da revista, que fora lançada na época em que surgiu o primeiro automóvel na cidade do Rio de Janeiro (1906), Sabino Magalhães assim agradeceu aos seus companheiros:
As minhas primeiras palavras de hoje, ainda cheirando ao gostoso incenso com que me perfumaram no dia radiante do meu aniversário, são de alegre e justo agradecimento, agradecimento que abraça, nas suas espirais carinhosas, os homens que concebem, escrevem ou pintam o meu pensamento; os artistas que o compõem, gravam ou imprimem; os jornaleiros que o apregoam e espalham e o público imenso que acolhe e sustenta.
Aos finos prosadores João Fontoura, Alcides Maya, Lindolfo Collor, Miguel Mello, aos brilhantes poetas Olavo Bilac, Octavio Augusto, Annibal Theophilo, Martins Fontes, Oscar Lopes, Goulart de Andrade e a quantos, com a sua colaboração inapreciável, têm contribuído para o meu esplendor intelectual, testemunho do meu álacre reconhecimento. O tom retórico era da época.
Os Salões
Os salões tiveram a sua época no Rio de Janeiro. Muitos deixaram nome, embora em alguns os encontros fossem mais familiares do que intelectuais. Eram conhecidíssimos os de Araújo Viana, na Tijuca; do casal Azevedo, na Praia de Botafogo; de Madame Gomensoro, da Sra. Santos Lobo, em Santa Teresa, um dos mais elegantes do Rio de Janeiro; de Sampaio Araújo, na Rua Voluntários da Pátria; de Souza Bandeira, Urbano Santos, Rodrigo Otávio, Sra. Gasparoni, etc.
Na rua do Rozo, na famosa casa de Coelho Neto, a “Santa Casa de Coelho Neto”, assim como na conhecida “Vila Bilac”, em Santa Teresa, ou na “República das Laranjeiras”, residência de alguns intelectuais, como Alcides Maya, Marcolino Fagundes, Gregório Fonseca, Annibal Theophilo, Oscar Lopes, Carlos Cavaco, efetuavam–se constantes reuniões onde com espírito e graça se cultivavam as letras e a amizade.
A literatura e o teatro franceses eram o assunto preferido nos salões, mas a música estava sempre presente. No Rozo, conta Álvaro Moreyra, exibiram-se as cantoras Gulnar Bandeira e Cândida Kendhal. Ali também compareciam artistas como os irmãos Bernardelli, Sílvio Bevilaqua; e ainda diplomatas e políticos.
Havia, porém, as reuniões mais íntimas dos amigos de Coelho Neto. E não eram poucos. “Têm um cunho singular de elevação espiritual que lhes dá um relevo especial na vida carioca, pois essas animadas reuniões da amizade são sempre esplêndidos serões de arte”, assinala Martins Fontes.
Os Grupos Intelectuais
Se havia os salões, existiam também as livrarias, as confeitarias, tudo ponto de encontro dos intelectuais boêmios e onde se avivavam as competições dos grupos. Mas nada de desrespeito ou sentimentos subalternos.
Observe-se como comenta o assunto Heitor Lima em artigo de 18 de setembro de 1913:
Poucas vezes tenho tido ocasião de sentir um movimento interior de simpatia tão espontânea e acentuada como o que em mim se produziu ao travar relações com Annibal Theophilo.
No Rio de Janeiro os literatos costumam dividir-se em corrilhos e organizar-se em coteries, movendo hostilidade e promovendo consagrações de acordo com as animosidades ou as preferências do núcleo.
Não haveria o que argüir contra a existência desses grupos, se eles traduzissem meras afinidades de pensar e de sentir, sem quaisquer prevenções exclusivistas, reconhecendo méritos onde quer que eles se afirmassem e proclamando-os com serena isenção de ânimo.
Nada mais irritante e mais pueril do que a guerra surda em que se empenham os artistas uns contra os outros, aqui e em todos os grandes centros de cultura do mundo.
Os que assim procedem visam, ao que parece, o arrasamento geral, com exceção deles próprios, que ficarão para semente, pela força incontrastável do seu gênio.
O processo é ridículo, e seus resultados o que há de mais efêmero, quando não são negativos.
A obsessão de deprimirmos os outros, com o fim de parecer que lhes levamos vantagem, deve ser afastada como uma perigosa manifestação de desarranjo mental e moral.
Realizemos o nosso destino, sem invejarmos a glória do destino alheio. Cada um vale pelo que é, e não pelo que os outros deixam de ser.
Por ocasião das últimas festas em homenagem a Olavo Bilac, tive o ensejo de aproximar-me de um grupo de literatos e de manter um comércio assíduo com um punhado de espíritos de elite, que são aqui olhados por alguns como constituindo uma seita de rígida intolerância.
Dessa seita caluniada fazem parte Annibal Theophilo, de cuja personalidade me vou ocupar em rápidos traços, e Leal de Souza, que é um dos novos mais em foco, pela sua posição de destaque no nosso meio intelectual como poeta eminente, e pelo cargo que ocupa na Careta, onde cintila sua acutilante ironia e fluem os ondulantes e sonoros períodos de sua prosa forte e pessoal.
Pois bem, Leal de Souza, que é um temível polemista, nunca se valeu da revista que dirige para fazer a demolição sistemática de qualquer reputação. Pelo contrário, acolhe com simpatia todos os que o procuram, e não regateia aplausos aos seus próprios adversários, quando é o caso de louva-los.
Certifiquei-me em pouco de que a seita não era julgada com justiça; e ao conhecer melhor Annibal Theophilo, compreendi que esse poeta, uma das figuras representativas da plêiade, não havia de persistir numa companhia suspeita, composta de indivíduos com preocupações de campanário... (Heitor Lima)
A República Das Laranjeiras
Lá residiam Alcides Maya, Marcolino Fagundes, Gregório Fonseca, Carlos Cavaco, Bastos Tigre, Oscar Lopes. Annibal Theophilo fora seu visitante assíduo antes da sua ida para a Amazônia.
Freqüentavam-na, diz Leal de Souza, já ilustre, pairando na esfera do pensamento em plano correspondente à sidérea altura atingida pelo voar das águias, o arguto Campos Cartier; o irrequieto Goulart de Andrade, soberano senhor das artes verbais; Martins Fontes, o minucioso artista que rendilha as peças de Cellini com o escopro de Miguel Ângelo; Octavio Augusto, o milagroso esmerilhador de idéias; Gregório Fonseca, o moderno rapsodo da Grécia antiga; Marcolino Fagundes, o animador da anedota; Annibal Theophilo, o egrégio vate de namorado plectro camoniano; Oscar Lopes, o mágico encantador do vocabulário. (Martins Fontes)
Aniversário Da Revista
Annibal Theophilo colaborou também nas páginas da revista Fon-Fon. O diretor da revista, Sabino Magalhães, seu companheiro de vida militar, quando cadetes em Porto Alegre e Rio de Janeiro, convidou o poeta para participar do seu corpo de redatores. No aniversário da revista, que fora lançada na época em que surgiu o primeiro automóvel na cidade do Rio de Janeiro (1906), Sabino Magalhães assim agradeceu aos seus companheiros:
As minhas primeiras palavras de hoje, ainda cheirando ao gostoso incenso com que me perfumaram no dia radiante do meu aniversário, são de alegre e justo agradecimento, agradecimento que abraça, nas suas espirais carinhosas, os homens que concebem, escrevem ou pintam o meu pensamento; os artistas que o compõem, gravam ou imprimem; os jornaleiros que o apregoam e espalham e o público imenso que acolhe e sustenta.
Aos finos prosadores João Fontoura, Alcides Maya, Lindolfo Collor, Miguel Mello, aos brilhantes poetas Olavo Bilac, Octavio Augusto, Annibal Theophilo, Martins Fontes, Oscar Lopes, Goulart de Andrade e a quantos, com a sua colaboração inapreciável, têm contribuído para o meu esplendor intelectual, testemunho do meu álacre reconhecimento. O tom retórico era da época.
Os Salões
Os salões tiveram a sua época no Rio de Janeiro. Muitos deixaram nome, embora em alguns os encontros fossem mais familiares do que intelectuais. Eram conhecidíssimos os de Araújo Viana, na Tijuca; do casal Azevedo, na Praia de Botafogo; de Madame Gomensoro, da Sra. Santos Lobo, em Santa Teresa, um dos mais elegantes do Rio de Janeiro; de Sampaio Araújo, na Rua Voluntários da Pátria; de Souza Bandeira, Urbano Santos, Rodrigo Otávio, Sra. Gasparoni, etc.
Na rua do Rozo, na famosa casa de Coelho Neto, a “Santa Casa de Coelho Neto”, assim como na conhecida “Vila Bilac”, em Santa Teresa, ou na “República das Laranjeiras”, residência de alguns intelectuais, como Alcides Maya, Marcolino Fagundes, Gregório Fonseca, Annibal Theophilo, Oscar Lopes, Carlos Cavaco, efetuavam–se constantes reuniões onde com espírito e graça se cultivavam as letras e a amizade.
A literatura e o teatro franceses eram o assunto preferido nos salões, mas a música estava sempre presente. No Rozo, conta Álvaro Moreyra, exibiram-se as cantoras Gulnar Bandeira e Cândida Kendhal. Ali também compareciam artistas como os irmãos Bernardelli, Sílvio Bevilaqua; e ainda diplomatas e políticos.
Havia, porém, as reuniões mais íntimas dos amigos de Coelho Neto. E não eram poucos. “Têm um cunho singular de elevação espiritual que lhes dá um relevo especial na vida carioca, pois essas animadas reuniões da amizade são sempre esplêndidos serões de arte”, assinala Martins Fontes.
Os Grupos Intelectuais
Se havia os salões, existiam também as livrarias, as confeitarias, tudo ponto de encontro dos intelectuais boêmios e onde se avivavam as competições dos grupos. Mas nada de desrespeito ou sentimentos subalternos.
Observe-se como comenta o assunto Heitor Lima em artigo de 18 de setembro de 1913:
Poucas vezes tenho tido ocasião de sentir um movimento interior de simpatia tão espontânea e acentuada como o que em mim se produziu ao travar relações com Annibal Theophilo.
No Rio de Janeiro os literatos costumam dividir-se em corrilhos e organizar-se em coteries, movendo hostilidade e promovendo consagrações de acordo com as animosidades ou as preferências do núcleo.
Não haveria o que argüir contra a existência desses grupos, se eles traduzissem meras afinidades de pensar e de sentir, sem quaisquer prevenções exclusivistas, reconhecendo méritos onde quer que eles se afirmassem e proclamando-os com serena isenção de ânimo.
Nada mais irritante e mais pueril do que a guerra surda em que se empenham os artistas uns contra os outros, aqui e em todos os grandes centros de cultura do mundo.
Os que assim procedem visam, ao que parece, o arrasamento geral, com exceção deles próprios, que ficarão para semente, pela força incontrastável do seu gênio.
O processo é ridículo, e seus resultados o que há de mais efêmero, quando não são negativos.
A obsessão de deprimirmos os outros, com o fim de parecer que lhes levamos vantagem, deve ser afastada como uma perigosa manifestação de desarranjo mental e moral.
Realizemos o nosso destino, sem invejarmos a glória do destino alheio. Cada um vale pelo que é, e não pelo que os outros deixam de ser.
Por ocasião das últimas festas em homenagem a Olavo Bilac, tive o ensejo de aproximar-me de um grupo de literatos e de manter um comércio assíduo com um punhado de espíritos de elite, que são aqui olhados por alguns como constituindo uma seita de rígida intolerância.
Dessa seita caluniada fazem parte Annibal Theophilo, de cuja personalidade me vou ocupar em rápidos traços, e Leal de Souza, que é um dos novos mais em foco, pela sua posição de destaque no nosso meio intelectual como poeta eminente, e pelo cargo que ocupa na Careta, onde cintila sua acutilante ironia e fluem os ondulantes e sonoros períodos de sua prosa forte e pessoal.
Pois bem, Leal de Souza, que é um temível polemista, nunca se valeu da revista que dirige para fazer a demolição sistemática de qualquer reputação. Pelo contrário, acolhe com simpatia todos os que o procuram, e não regateia aplausos aos seus próprios adversários, quando é o caso de louva-los.
Certifiquei-me em pouco de que a seita não era julgada com justiça; e ao conhecer melhor Annibal Theophilo, compreendi que esse poeta, uma das figuras representativas da plêiade, não havia de persistir numa companhia suspeita, composta de indivíduos com preocupações de campanário... (Heitor Lima)
A República Das Laranjeiras
Lá residiam Alcides Maya, Marcolino Fagundes, Gregório Fonseca, Carlos Cavaco, Bastos Tigre, Oscar Lopes. Annibal Theophilo fora seu visitante assíduo antes da sua ida para a Amazônia.
Freqüentavam-na, diz Leal de Souza, já ilustre, pairando na esfera do pensamento em plano correspondente à sidérea altura atingida pelo voar das águias, o arguto Campos Cartier; o irrequieto Goulart de Andrade, soberano senhor das artes verbais; Martins Fontes, o minucioso artista que rendilha as peças de Cellini com o escopro de Miguel Ângelo; Octavio Augusto, o milagroso esmerilhador de idéias; Gregório Fonseca, o moderno rapsodo da Grécia antiga; Marcolino Fagundes, o animador da anedota; Annibal Theophilo, o egrégio vate de namorado plectro camoniano; Oscar Lopes, o mágico encantador do vocabulário. (Martins Fontes)
Confeitaria Paschoal – Maio de 1915; Foto da Revista da Semana nº 15, de 22/5/1915; No centro o poeta Annibal Theophilo. (Homenagem a Heitor Lima)
Sociedade Brasileira De Homens De Letras
Na Rua Gonçalves Dias nº 30 iria ser levantada “a muralha que defenderá o pomar, onde em sonhos desabrochamos”, dizia em crônica Oscar Lopes, o autor de Seres e Sombras e Medalhas e Legendas.
Era antiga a sua idéia de organizar uma entidade onde o escritor pudesse merecer melhor atenção e proteção na sua atividade. Seus artigos em O País antecipavam o plano:
...Não há troca de direitos e deveres no comércio editorial, o que há é uma soma de direitos do lado do editor e uma soma de deveres do lado do autor.
Segundo os estatutos da sociedade esta tinha o objetivo expresso de “proteger os interesses profissionais, econômicos, morais e sociais” do autor.
Foi esta a primeira diretoria eleita:
Presidente efetivo – Oscar Lopes
Presidente honorário – Olavo Bilac
Vice-Presidente – Sebastião Sampaio
1º Secretário – Sarandi Raposo
2º Secretário – Mateus de Albuquerque
Tesoureiro – Bastos Tigre
Há um quadro pintado pelo artista Marques Júnior, doado à Academia Brasileira de Letras, em que aparecem muitos dos escritores que colaboraram para a organização da Sociedade Brasileira de Homens de Letras: Bastos Tigre, Carlos Maul, Olegário Mariano, Coelho Neto, Maurício de Medeiros, João do Rio, Oscar Lopes, Antônio Torres, Medeiros e Albuquerque, Martins Fontes, Olavo Bilac, Heitor Lima, Gregório Fonseca, Emílio de Menezes, Leal de Souza, Alberto de Oliveira, Humberto de Campos, Alcides Maya, Annibal Theophilo.
A Crônica do Rio, na Cidade do Rio, admirava-se com o ânimo dos escritores: “Quem não acredita em milagres, olhando para a Sociedade de Homens de Letras, é obrigado a acreditar na existência pelo menos de dois: o primeiro é a própria existência da Sociedade, coisa cuja possibilidade ninguém até há pouco admitia, porque o Brasil é a terra dos desanimados, dos que já nasceram blasés e rates...” Os outros milagres viriam com as reuniões levadas a efeito em benefício da classe, realizando conferências e “horas literárias”.
Era grande o entusiasmo dos componentes da S.B.H.L. Tornava-se necessário, porém, obter fundos para manutenção e desenvolvimento da entidade. Para isso foram programadas “horas literárias”, nas quais os próprios escritores apresentariam os seus trabalhos. O célebre salão do “Jornal do Comércio”, na Avenida Rio Branco, seria o local das reuniões. A aceitação por parte do público foi imediata. Os convites logo se esgotavam. Os órgãos da nossa imprensa anunciavam o acontecimento. A Notícia, em junho de 1915, publicou o seguinte convite:
Hora Literária
Às 4 ½ em ponto, realiza-se hoje, no salão do “Jornal do Comércio” a magnífica festa que a S.B.H.L. organizou – “Hora Literária”, primeira série que será levada neste inverno.
A Hora Literária constará de recitativos em prosa e verso, dos seguintes autores: Goulart de Andrade, Heitor Lima, Alcides Maya, Alberto de Oliveira, Annibal Theophilo, Oscar Lopes, Sebastião Sampaio, Olavo Bilac, Olegário Mariano, Coelho Neto, Bastos Tigre, Leal de Souza, Augusto de Lima, Emílio de Menezes, Martins Fontes, Luís Edmundo, Humberto de Campos.
Todos os trechos de prosa e verso são inéditos.
A Cidade do Rio, referindo-se aos autores que iriam participar da “Hora Literária”, assim se manifestava:
Não se pode organizar lista de nomes mais em evidência nem mais própria para atrair o público elegante.
Os Deuses De Casaca E A Morte De Proteu
Por sugestão de Bilac, combinou-se ainda representar a peça de Machado de Assis, “Os Deuses de Casaca”, cujos papéis estavam distribuídos entre os próprios componentes da associação. Annibal Theophilo, como secretário do Teatro Municipal, reservaria a casa de espetáculos e interpretaria o papel de Proteu, cabendo o Prólogo a Bilac, o Epílogo a Coelho Neto, Júpiter a Emílio de Menezes, Apolo a Oscar Lopes, Marte a Bastos Tigre, Mercúrio a Goulart de Andrade.
Os convites já haviam sido impressos e os jornais todos anunciavam o grande espetáculo.
Os ensaios da peça foram abruptamente interrompidos com a morte de Proteu!
Sociedade Brasileira De Homens De Letras
Na Rua Gonçalves Dias nº 30 iria ser levantada “a muralha que defenderá o pomar, onde em sonhos desabrochamos”, dizia em crônica Oscar Lopes, o autor de Seres e Sombras e Medalhas e Legendas.
Era antiga a sua idéia de organizar uma entidade onde o escritor pudesse merecer melhor atenção e proteção na sua atividade. Seus artigos em O País antecipavam o plano:
...Não há troca de direitos e deveres no comércio editorial, o que há é uma soma de direitos do lado do editor e uma soma de deveres do lado do autor.
Segundo os estatutos da sociedade esta tinha o objetivo expresso de “proteger os interesses profissionais, econômicos, morais e sociais” do autor.
Foi esta a primeira diretoria eleita:
Presidente efetivo – Oscar Lopes
Presidente honorário – Olavo Bilac
Vice-Presidente – Sebastião Sampaio
1º Secretário – Sarandi Raposo
2º Secretário – Mateus de Albuquerque
Tesoureiro – Bastos Tigre
Há um quadro pintado pelo artista Marques Júnior, doado à Academia Brasileira de Letras, em que aparecem muitos dos escritores que colaboraram para a organização da Sociedade Brasileira de Homens de Letras: Bastos Tigre, Carlos Maul, Olegário Mariano, Coelho Neto, Maurício de Medeiros, João do Rio, Oscar Lopes, Antônio Torres, Medeiros e Albuquerque, Martins Fontes, Olavo Bilac, Heitor Lima, Gregório Fonseca, Emílio de Menezes, Leal de Souza, Alberto de Oliveira, Humberto de Campos, Alcides Maya, Annibal Theophilo.
A Crônica do Rio, na Cidade do Rio, admirava-se com o ânimo dos escritores: “Quem não acredita em milagres, olhando para a Sociedade de Homens de Letras, é obrigado a acreditar na existência pelo menos de dois: o primeiro é a própria existência da Sociedade, coisa cuja possibilidade ninguém até há pouco admitia, porque o Brasil é a terra dos desanimados, dos que já nasceram blasés e rates...” Os outros milagres viriam com as reuniões levadas a efeito em benefício da classe, realizando conferências e “horas literárias”.
Era grande o entusiasmo dos componentes da S.B.H.L. Tornava-se necessário, porém, obter fundos para manutenção e desenvolvimento da entidade. Para isso foram programadas “horas literárias”, nas quais os próprios escritores apresentariam os seus trabalhos. O célebre salão do “Jornal do Comércio”, na Avenida Rio Branco, seria o local das reuniões. A aceitação por parte do público foi imediata. Os convites logo se esgotavam. Os órgãos da nossa imprensa anunciavam o acontecimento. A Notícia, em junho de 1915, publicou o seguinte convite:
Hora Literária
Às 4 ½ em ponto, realiza-se hoje, no salão do “Jornal do Comércio” a magnífica festa que a S.B.H.L. organizou – “Hora Literária”, primeira série que será levada neste inverno.
A Hora Literária constará de recitativos em prosa e verso, dos seguintes autores: Goulart de Andrade, Heitor Lima, Alcides Maya, Alberto de Oliveira, Annibal Theophilo, Oscar Lopes, Sebastião Sampaio, Olavo Bilac, Olegário Mariano, Coelho Neto, Bastos Tigre, Leal de Souza, Augusto de Lima, Emílio de Menezes, Martins Fontes, Luís Edmundo, Humberto de Campos.
Todos os trechos de prosa e verso são inéditos.
A Cidade do Rio, referindo-se aos autores que iriam participar da “Hora Literária”, assim se manifestava:
Não se pode organizar lista de nomes mais em evidência nem mais própria para atrair o público elegante.
Os Deuses De Casaca E A Morte De Proteu
Por sugestão de Bilac, combinou-se ainda representar a peça de Machado de Assis, “Os Deuses de Casaca”, cujos papéis estavam distribuídos entre os próprios componentes da associação. Annibal Theophilo, como secretário do Teatro Municipal, reservaria a casa de espetáculos e interpretaria o papel de Proteu, cabendo o Prólogo a Bilac, o Epílogo a Coelho Neto, Júpiter a Emílio de Menezes, Apolo a Oscar Lopes, Marte a Bastos Tigre, Mercúrio a Goulart de Andrade.
Os convites já haviam sido impressos e os jornais todos anunciavam o grande espetáculo.
Os ensaios da peça foram abruptamente interrompidos com a morte de Proteu!
Há um aspecto curioso no quadro de Marques Júnior. O grupo que posou para a fotografia, que mais tarde serviria de modelo à pintura, foi alterado pelo artista. Pode-se notar que, à esquerda, Rafael Pinheiro e Sebastião Sampaio cederam seus lugares a João do Rio, Bastos Tigre, Carlos Maul, Olegário Mariano e Coelho Neto. Ao centro, Guerra Duval ofereceu sua cadeira a Medeiros e Albuquerque. À direita, aparecem os acadêmicos Alberto de Oliveira, Humberto de Campos e Alcides Maya, no lugar em que estava Leal de Souza. Na revista Fon-Fon, do ano de 1932, está estampada a fotografia. O quadro do pintor é um belo painel de mais ou menos dois metros por cinco. Este quadro está exposto na Academia Brasileira de Letras.
Nós, As Abelhas
São de Martins Fontes as seguintes palavras:
É belo evocar que todos se amaram até à morte, não houve nunca, na pureza das relações pessoais de todos os desses grupos, a mínima sombra. Pairaram acima da vaidade, dos caprichos individuais, das fraquezas humanas, crentes piedosos de que a forma das rosas equivale ao seu perfume.
Nós, as abelhas, alegres, muito alegres, escandalosissimamente alegres nós o fomos, mas, ao lado dessa ridência contínua, quanto esforço pasmoso, excepcional no Brasil! Vivemos rindo, mas trabalhando a cantar. E a canção da nossa vida foi tão moça e tão bela que será perpétua como o fulgor do talento da roda literária que iluminava o Rio de Janeiro, irradiando da Confeitaria Colombo... Cada um de nós reproduzia a cidade, flamejava. Constituía dever sagrado abençoar o sol todas as manhãs, clareando, grandilouvando a Guanabara maravilhosa... Adoramos o Rio de Janeiro, com fervor carnal, com a volúpia de um bárbaro diante de uma jovem princesa desnuda... O Rio era a alegria, a independência, a boêmia. Cidade única, em que se vive feliz sem dinheiro. Não se pode nem morrer sem dinheiro, e no Rio sem dinheiro se vive! Inacreditável! Mas real, consolador, belo, belo!... Guanabara! Só no teu seio poderia florir a nossa mocidade!... Para nós Paris é o Rio de Janeiro! Nós, as abelhas... Como são parecidos! Exceto num ponto, graças a Deus, na castidade. A abelha é casta! Eis toda a manifestação de uma sensibilidade poética que vinha de sua terra, Santos, para amar, para reservar espaço ainda, no seu coração, para um amor ardente pelo Rio de Janeiro.
Oh! Mil vezes seja bendita a mocidade que chora de alegria! Quando eu morrer, minhas Senhoras, lembrai-vos que não tenho crença, mas amo ardentemente a beleza e por isso mereço vos recordeis da minha saudade.
Belle Époque
Temos sempre na lembrança os companheiros que na trajetória do tempo, compreenderam o compromisso que tínhamos assumido na realização deste trabalho. Com o seu apoio fraterno – figuras de cultura e sensibilidade – sempre presentes, incentivaram-nos de forma espontânea; compartilhando conosco no caminho em busca da verdade histórica. Força tivemos para suportar os traumas que o destino nos havia reservado. Aqueles que nos alertaram, alentaram e nos apoiaram, juntando a sua esperança à nossa esperança, no transcurso da longa jornada, a nossa gratidão. A grande maioria dos nossos companheiros já se encontra no repouso merecido do absoluto, longe do dia-a-dia, mas sempre presentes. São, por certo, vultos inapagáveis de nossa memória.
Realizamos um considerável número de palestras na área universitária, sobre a vida literária no Rio de Janeiro, capital cultural do país. Foram temas reproduzindo os períodos da chamada Belle Époque. O despertar da cidade com a inauguração da Avenida Central, com ares europeizados; cinematógrafos, teatros exibindo companhias estrangeiras; a sociedade abrindo os seus salões; horas literárias, conferências sobre os temas mais variados.
Como dizia o poeta santista Martins Fontes, médico apaixonado pelo Rio de Janeiro: “O Rio de Janeiro é a nossa Paris”. E publicou Boêmia Galante, Nós, as Abelhas, traçando o espírito efervescente que reinava nas duas primeiras décadas do século XX. O período fecundo que ficou registrado pela Belle Époque teria se extinguido ao apagar as luzes da existência de Olavo Bilac, em 1918; data também que marcou o fim da graça, do espírito exuberante da figura de Emílio de Menezes. Sem esquecer, ainda, do grande interesse da intelectualidade em participar da Organização da Sociedade Brasileira de Homem de Letras, que viu-se demolida pela tragédia causada pelo assassinato do poeta Annibal Theophilo, numa hora literária que arrecadava fundos para a existência da Entidade.
Impressionava-nos sempre, em nossos estudos, ver o relacionamento íntimo e fraterno que reinava entre poetas e escritores. Confraternização espelhada nas palavras de Martins Fontes: o prestígio de Bilac.
Venerava-se o Barão do Rio Branco; aplaudia-se Rui Barbosa; amava-se Olavo Bilac.
O poeta Annibal Theophilo dirigia-se a Olavo Bilac com o “tu” do bom gaúcho, mas esclarecia que um TU com letras maiúsculas, como se fosse para um ídolo.
Acrescentaríamos mais:
Sem esquecer a figura ímpar do jovem pobre, mestiço, com doença punitiva, mas que mereceu do destino o prêmio das conquistas. O tempo se encarregou de dar-lhe o manto protetor da glória merecida. Atingiu o pedestal da altura, fez-se poeta, jornalista, contista, romancista, crítico literário, líder fundador da Academia Brasileira de Letras. Convicto batalhador pela pureza do idioma. Revelou em suas criações o âmago da alma, a essência do ser, os mistérios da sociedade no seu cotidiano. Eis o prestígio de Machado de Assis.
No Brasil, lia-se avidamente Eça de Queiroz, na passagem do século, vindo d’além-mar. Aqui, o nosso Machado de Assis atingiu o seu esplendor silenciosamente. Esmerilador das letras. Hoje, publicam obras completas mas, muita coisa ainda não foi revelada sobre a presença do mestre.
Academia Brasileira de Letras
Desde o primeiro momento de sua abertura, primava por cuidar dos destinos da sociedade, recusando intimidades com a política reinante. Machado de Assis, seu primeiro presidente, identificava-se com o pensamento de que se praticasse em alto nível a sobriedade. E parecia não querer facilitar aos boêmios – e eram muitos os boêmios – qualquer oportunidade em suas pretensões de conquistar uma cadeira de imortal. Na verdade, é preciso lembrar que o grande boêmio – e grande poeta – Emílio de Menezes, que vezes havia ironizado a Casa, mais adiante, conquistaria o seu destino. Mas faleceria sem tomar posse.
Com o correr do tempo a Academia faria uma abertura maior para aqueles que almejassem ali ingressar. Seria, ainda, influência vinda da Academia Francesa que premiava, além de literatos, filósofos, diplomatas, teatrólogos, sociólogos, etc. Figuras de projeção na elite cultural francesa seriam acolhidas.
Ad Immortalitatem. E por que não desejar e conquistar as graças superiores da cultura helênica? Fomos espectador de longa data e poderíamos dizer: As portas da Grande Casa, hoje, mais do que nunca, estão abertas para eventos, palestras, conferências, debates, exposições, exibição de filmes, cenários artísticos. Abriu-se o grande leque. A imagem ficaria iluminada no seu grande alcance. Semanalmente, além do chá das quintas-feiras, convites são oferecidos para os encontros de alto nível, nos seus salões.
Assim seja!
Rua Do Rozo
O Annibal Theophilo amava-o com o fervor dos sacerdotes de Elêusis... amava-o como os gaturamos amam as rosas, disse Martins Fontes sobre Coelho Neto, rei do Rozo.
No Rozo imperava a literatura. Eram reuniões onde muitos dos presentes apresentavam as suas mais recentes criações literárias, num tom sempre familiar, bem diferente da pompa dos célebres “salões”. Coelho Neto, grande improvisador, antecipava para os freqüentadores da Rua do Rozo os seus famosos “Jardim das Oliveiras”, “Inverno em Flor” e “Turbilhão”.
A Santa Casa De Coelho Neto
Na “Santa Casa de Coelho Neto”, assim denominada por Martins Fontes, o romancista, grande protetor dos novos músicos, cantores, pintores, artistas em geral que dele recebiam incentivo e proteção, compareciam com freqüência Olavo Bilac, Oscar Lopes, Martins Fontes, Alberto de Oliveira, Theophilo de Albuquerque, Humberto de Campos, Gregório Fonseca, Jorge Jobim, Olegário Mariano, Guerra Duval, Álvaro Moreyra, Hermes Fontes, Alcides Maya, Marcolino Fagundes, Annibal Theophilo, Guimarães Passos e muitos outros. Por mais de 30 anos privaram da simpatia acolhedora do grande escritor.
Para nós, no Brasil, uma noite na casa de Coelho Neto é o maior dos encantamentos, o supremo gozo intelectual, afirmava Martins Fontes.
Hoje É Dia Da Criança
As crianças, os moços adoravam Bilac, Annibal, Campos e Fontes. O próprio Bilac fora apelidado de “Amolador”. Goulart de Andrade era o “mosquito elétrico”, conforme diz Paulo Coelho Neto no livro sobre seu pai.
Certo egoísmo movia os manifestantes, porque cada um daqueles intelectuais era sempre portador de um “hábeas corpus” para a meninada, isto é, autorização para jantar à mesa do escritor, na companhia dos visitantes. Quando Fontes e Annibal apareciam juntos, Coelho Neto dizia: “Hoje é dia da criança”. O poeta gaúcho divertia os seus amiguinhos com as histórias que nunca acabavam. Como as de Scherazade.
No jardim ouvia-se um gargalhar contínuo... era Annibal Theophilo, no meio da criançada da redondeza, contando as aventuras intermináveis de Chico Lambeta, de John Fagundes, de Juca Tetéia... Rodas infantis cantarolavam:
– Senhora Dona Sancha...
Bento, que Bento, Frade!
Constança, meu bem Constança...
Surupango da vingança...
Martins Fontes, assim define a casa de Coelho Neto em “Nós as Abelhas”: A Casa de Coelho Neto não é só o alfobre da alegria, o viveiro da mocidade, o salão elegante e culto da Guanabara radiosa, é antes de tudo o Templo da nossa inteligência.
São de Martins Fontes as seguintes palavras:
É belo evocar que todos se amaram até à morte, não houve nunca, na pureza das relações pessoais de todos os desses grupos, a mínima sombra. Pairaram acima da vaidade, dos caprichos individuais, das fraquezas humanas, crentes piedosos de que a forma das rosas equivale ao seu perfume.
Nós, as abelhas, alegres, muito alegres, escandalosissimamente alegres nós o fomos, mas, ao lado dessa ridência contínua, quanto esforço pasmoso, excepcional no Brasil! Vivemos rindo, mas trabalhando a cantar. E a canção da nossa vida foi tão moça e tão bela que será perpétua como o fulgor do talento da roda literária que iluminava o Rio de Janeiro, irradiando da Confeitaria Colombo... Cada um de nós reproduzia a cidade, flamejava. Constituía dever sagrado abençoar o sol todas as manhãs, clareando, grandilouvando a Guanabara maravilhosa... Adoramos o Rio de Janeiro, com fervor carnal, com a volúpia de um bárbaro diante de uma jovem princesa desnuda... O Rio era a alegria, a independência, a boêmia. Cidade única, em que se vive feliz sem dinheiro. Não se pode nem morrer sem dinheiro, e no Rio sem dinheiro se vive! Inacreditável! Mas real, consolador, belo, belo!... Guanabara! Só no teu seio poderia florir a nossa mocidade!... Para nós Paris é o Rio de Janeiro! Nós, as abelhas... Como são parecidos! Exceto num ponto, graças a Deus, na castidade. A abelha é casta! Eis toda a manifestação de uma sensibilidade poética que vinha de sua terra, Santos, para amar, para reservar espaço ainda, no seu coração, para um amor ardente pelo Rio de Janeiro.
Oh! Mil vezes seja bendita a mocidade que chora de alegria! Quando eu morrer, minhas Senhoras, lembrai-vos que não tenho crença, mas amo ardentemente a beleza e por isso mereço vos recordeis da minha saudade.
Belle Époque
Temos sempre na lembrança os companheiros que na trajetória do tempo, compreenderam o compromisso que tínhamos assumido na realização deste trabalho. Com o seu apoio fraterno – figuras de cultura e sensibilidade – sempre presentes, incentivaram-nos de forma espontânea; compartilhando conosco no caminho em busca da verdade histórica. Força tivemos para suportar os traumas que o destino nos havia reservado. Aqueles que nos alertaram, alentaram e nos apoiaram, juntando a sua esperança à nossa esperança, no transcurso da longa jornada, a nossa gratidão. A grande maioria dos nossos companheiros já se encontra no repouso merecido do absoluto, longe do dia-a-dia, mas sempre presentes. São, por certo, vultos inapagáveis de nossa memória.
Realizamos um considerável número de palestras na área universitária, sobre a vida literária no Rio de Janeiro, capital cultural do país. Foram temas reproduzindo os períodos da chamada Belle Époque. O despertar da cidade com a inauguração da Avenida Central, com ares europeizados; cinematógrafos, teatros exibindo companhias estrangeiras; a sociedade abrindo os seus salões; horas literárias, conferências sobre os temas mais variados.
Como dizia o poeta santista Martins Fontes, médico apaixonado pelo Rio de Janeiro: “O Rio de Janeiro é a nossa Paris”. E publicou Boêmia Galante, Nós, as Abelhas, traçando o espírito efervescente que reinava nas duas primeiras décadas do século XX. O período fecundo que ficou registrado pela Belle Époque teria se extinguido ao apagar as luzes da existência de Olavo Bilac, em 1918; data também que marcou o fim da graça, do espírito exuberante da figura de Emílio de Menezes. Sem esquecer, ainda, do grande interesse da intelectualidade em participar da Organização da Sociedade Brasileira de Homem de Letras, que viu-se demolida pela tragédia causada pelo assassinato do poeta Annibal Theophilo, numa hora literária que arrecadava fundos para a existência da Entidade.
Impressionava-nos sempre, em nossos estudos, ver o relacionamento íntimo e fraterno que reinava entre poetas e escritores. Confraternização espelhada nas palavras de Martins Fontes: o prestígio de Bilac.
Venerava-se o Barão do Rio Branco; aplaudia-se Rui Barbosa; amava-se Olavo Bilac.
O poeta Annibal Theophilo dirigia-se a Olavo Bilac com o “tu” do bom gaúcho, mas esclarecia que um TU com letras maiúsculas, como se fosse para um ídolo.
Acrescentaríamos mais:
Sem esquecer a figura ímpar do jovem pobre, mestiço, com doença punitiva, mas que mereceu do destino o prêmio das conquistas. O tempo se encarregou de dar-lhe o manto protetor da glória merecida. Atingiu o pedestal da altura, fez-se poeta, jornalista, contista, romancista, crítico literário, líder fundador da Academia Brasileira de Letras. Convicto batalhador pela pureza do idioma. Revelou em suas criações o âmago da alma, a essência do ser, os mistérios da sociedade no seu cotidiano. Eis o prestígio de Machado de Assis.
No Brasil, lia-se avidamente Eça de Queiroz, na passagem do século, vindo d’além-mar. Aqui, o nosso Machado de Assis atingiu o seu esplendor silenciosamente. Esmerilador das letras. Hoje, publicam obras completas mas, muita coisa ainda não foi revelada sobre a presença do mestre.
Academia Brasileira de Letras
Desde o primeiro momento de sua abertura, primava por cuidar dos destinos da sociedade, recusando intimidades com a política reinante. Machado de Assis, seu primeiro presidente, identificava-se com o pensamento de que se praticasse em alto nível a sobriedade. E parecia não querer facilitar aos boêmios – e eram muitos os boêmios – qualquer oportunidade em suas pretensões de conquistar uma cadeira de imortal. Na verdade, é preciso lembrar que o grande boêmio – e grande poeta – Emílio de Menezes, que vezes havia ironizado a Casa, mais adiante, conquistaria o seu destino. Mas faleceria sem tomar posse.
Com o correr do tempo a Academia faria uma abertura maior para aqueles que almejassem ali ingressar. Seria, ainda, influência vinda da Academia Francesa que premiava, além de literatos, filósofos, diplomatas, teatrólogos, sociólogos, etc. Figuras de projeção na elite cultural francesa seriam acolhidas.
Ad Immortalitatem. E por que não desejar e conquistar as graças superiores da cultura helênica? Fomos espectador de longa data e poderíamos dizer: As portas da Grande Casa, hoje, mais do que nunca, estão abertas para eventos, palestras, conferências, debates, exposições, exibição de filmes, cenários artísticos. Abriu-se o grande leque. A imagem ficaria iluminada no seu grande alcance. Semanalmente, além do chá das quintas-feiras, convites são oferecidos para os encontros de alto nível, nos seus salões.
Assim seja!
Rua Do Rozo
O Annibal Theophilo amava-o com o fervor dos sacerdotes de Elêusis... amava-o como os gaturamos amam as rosas, disse Martins Fontes sobre Coelho Neto, rei do Rozo.
No Rozo imperava a literatura. Eram reuniões onde muitos dos presentes apresentavam as suas mais recentes criações literárias, num tom sempre familiar, bem diferente da pompa dos célebres “salões”. Coelho Neto, grande improvisador, antecipava para os freqüentadores da Rua do Rozo os seus famosos “Jardim das Oliveiras”, “Inverno em Flor” e “Turbilhão”.
A Santa Casa De Coelho Neto
Na “Santa Casa de Coelho Neto”, assim denominada por Martins Fontes, o romancista, grande protetor dos novos músicos, cantores, pintores, artistas em geral que dele recebiam incentivo e proteção, compareciam com freqüência Olavo Bilac, Oscar Lopes, Martins Fontes, Alberto de Oliveira, Theophilo de Albuquerque, Humberto de Campos, Gregório Fonseca, Jorge Jobim, Olegário Mariano, Guerra Duval, Álvaro Moreyra, Hermes Fontes, Alcides Maya, Marcolino Fagundes, Annibal Theophilo, Guimarães Passos e muitos outros. Por mais de 30 anos privaram da simpatia acolhedora do grande escritor.
Para nós, no Brasil, uma noite na casa de Coelho Neto é o maior dos encantamentos, o supremo gozo intelectual, afirmava Martins Fontes.
Hoje É Dia Da Criança
As crianças, os moços adoravam Bilac, Annibal, Campos e Fontes. O próprio Bilac fora apelidado de “Amolador”. Goulart de Andrade era o “mosquito elétrico”, conforme diz Paulo Coelho Neto no livro sobre seu pai.
Certo egoísmo movia os manifestantes, porque cada um daqueles intelectuais era sempre portador de um “hábeas corpus” para a meninada, isto é, autorização para jantar à mesa do escritor, na companhia dos visitantes. Quando Fontes e Annibal apareciam juntos, Coelho Neto dizia: “Hoje é dia da criança”. O poeta gaúcho divertia os seus amiguinhos com as histórias que nunca acabavam. Como as de Scherazade.
No jardim ouvia-se um gargalhar contínuo... era Annibal Theophilo, no meio da criançada da redondeza, contando as aventuras intermináveis de Chico Lambeta, de John Fagundes, de Juca Tetéia... Rodas infantis cantarolavam:
– Senhora Dona Sancha...
Bento, que Bento, Frade!
Constança, meu bem Constança...
Surupango da vingança...
Martins Fontes, assim define a casa de Coelho Neto em “Nós as Abelhas”: A Casa de Coelho Neto não é só o alfobre da alegria, o viveiro da mocidade, o salão elegante e culto da Guanabara radiosa, é antes de tudo o Templo da nossa inteligência.
Alcides Maya Premiado
Entre os escritores contemporâneos de Annibal, uma das figuras mais respeitadas e queridas era o solitário Alcides Maya, homem sereno, de voz compassada. Os seus amigos, certa vez, o homenagearam com uma festa, na praia de Ipanema, “todos, coroados de rosas, tangendo liras floridas”. Martins Fontes saudou o acadêmico gaúcho, lembrando a gloriosa Grécia, sob o canto das musas, no Parnaso. A festa foi longa e inocente. Participaram entre outros Bastos Tigre, Goulart de Andrade, Oscar Lopes, Leal de Souza, Raymundo Monteiro, Annibal Theophilo.
No final, ofereceram a Alcides Maya uma lira de rosas, conforme narra Martins Fontes, “o amigo de todos”, título atribuído ao escritor e poeta santista, autor de “Verão” e “Colar Partido”.
Produzem as abelhas o mel, gorjeiam os pássaros, a voz do poeta declama feliz; Alcides suporta a glória pagã: Para Théo e Banville, e para Mendes, desejo que cada verso destile um beijo: A estrofe seja a colméia, o alvo nectário dos risos/ E a rima tilinte, cheia de guizos. Na soledade da praia/ ao som das vagas inquietas, festejam a Alcides Maya/ os poetas!... De Píndaro a Anacreonte/ estridulam as cigarras/ E os poetas cobrem a fronte/ de parras...
De uma febril flauta, cujo cantar, de módula cana/ evoca Orfeu Araújo Vianna... E o riso aristofanesco de Bastos Tigre se escuta/ vindo de um recesso fresco da gruta... Com a lira de ouro ao colo, entoa o seu verso eterno/ Goulart de Andrade – este Apolo Moderno. De Malaguti, doirada por fulvos cabelos de ouro/ brilha a cabeça aureolada de louro. Tu, Oscar Lopes, que vives cinzelando uma obra-prima/ como impecável ourives da rima... Flava de pólen sem susto/ uma abelha de ouro pousa/ na boca de Otávio Augusto/ de Souza. Cantam no bosque profundo, à sombra em flor de um loureiro/ Leal de Souza e Raymundo Monteiro... À mocidade da graça bebamos o vinho de Hebe:/ Melpomene empunha a taça e bebe! Annibal Theophilo, amemos o sabor desta bebida/ que encerra os sonhos supremos da vida! E Annibal modula um canto, soprando em frágil caniço/ e envolto num leve manto/ de bysso... Louvemos a Afonso Aquino e a ti, que a blague difundes/ ó D’Artagnan Marcolino Fagundes!... E, embora Alcides prefira a vez das liras gloriosas/ aqui lhe oferto uma lira de rosas.
Alcides Maya foi “o militante positivista” que exerceu forte influência no pensamento dos que o cercavam. Sereno, insinuante, obstinado, conquistou para as suas idéias vários intelectuais que freqüentavam a “República das Laranjeiras”. Sua figura seduzia por trás das lentes grossas, os olhos miúdos, firmes; a voz era suave; e a cabeleira revolta, de pensador, compunha a imagem de líder intelectual.
Annibal Theophilo dedicava grande amizade ao conterrâneo. Houve mesmo época em que moravam juntos, em casa de dona Mamita, mãe do poeta, na Avenida Pedro Ivo, próximo à Quinta da Boa Vista. A ele deve o poeta de “A Cegonha” a sua adesão às idéias comtianas.
Annibal Theophilo dirigia-se sempre a Bilac com o tu dos bons gaúchos, mas, esclarecia, era um TU, com letras maiúsculas, como se fosse para um ídolo.
O prestígio de Bilac! Venerava-se ao Barão do Rio Branco, aplaudia-se Ruy Barbosa, amava-se a Olavo Bilac!
Carolina Bilac, sobrinha do poeta da “Via Láctea”, lembra que Annibal Theophilo e Olavo Bilac eram amigos inseparáveis:
– Aquela bela figura, por muitas vezes visitou-nos e alegrou-nos com sua presença amável e inteligência viva. Bilac queria-o muito...
Dizia Martins Fontes lembrando Annibal Theophilo:
Paladino moço, flor da Cavalaria, espelho da lealdade, transfiguração de Lisuarte, de Sagramor, de Galaaz, de Esplandiano, de Castro Forte ou de Pacheco Ousada, ou de Albuquerque Terríbil... Idealizai uma dessas figuras do tempo em que D. João era o Rei Trovador, no viço da idade florida, erguendo ao Sol a signa votiva, galopando por entre os esquadrões da Ala da Madressilva, da Ala dos Namorados.
A Eleição Do Príncipe Dos Poetas – 1913
A Revista Fon-Fon programou uma eleição para a escolha daquele que receberia o Título de príncipe dos poetas brasileiros, idéia que seria trazida da França, que já elegera o seu preferido. Foi programa bem aceito no meio da intelectualidade. Escritores, poetas, jornalistas, artistas, depositariam seus votos de forma espontânea, revelando suas preferências. As urnas ficariam no saguão de entrada da redação daquele periódico. A iniciativa merece a simpatia e o interesse da sociedade intelectual do Rio de Janeiro. Grande adesão de mais de cem votantes. Os primeiros resultados já indicavam os nomes aureolados pela crônica literária e pela preferência do povo: Olavo Bilac, Alberto de Oliveira, despontavam como os primeiros escolhidos, seguidos por, Emílio de Meneses, Mario Pederneira, Vicente de Carvalho, Hermes Fontes e outros.
No dia 19 de abril as urnas foram abertas confirmando Olavo Bilac com 39 votos, Alberto de Oliveira com 34, Mario Pederneira 13, Emílio de Menezes, 5 e uma extensa relação de muitos nomes. Bilac chegara da Europa, sendo homenageado no salão nobre do Jornal do Comércio, dia 21 de julho de 1913. Olegário Mariano disse-nos que o voto de Annibal Theophilo foi para Alberto de Oliveira. O poeta das Cigarras, seria mais tarde escolhido como príncipe dos poetas brasileiros.
Entre os escritores contemporâneos de Annibal, uma das figuras mais respeitadas e queridas era o solitário Alcides Maya, homem sereno, de voz compassada. Os seus amigos, certa vez, o homenagearam com uma festa, na praia de Ipanema, “todos, coroados de rosas, tangendo liras floridas”. Martins Fontes saudou o acadêmico gaúcho, lembrando a gloriosa Grécia, sob o canto das musas, no Parnaso. A festa foi longa e inocente. Participaram entre outros Bastos Tigre, Goulart de Andrade, Oscar Lopes, Leal de Souza, Raymundo Monteiro, Annibal Theophilo.
No final, ofereceram a Alcides Maya uma lira de rosas, conforme narra Martins Fontes, “o amigo de todos”, título atribuído ao escritor e poeta santista, autor de “Verão” e “Colar Partido”.
Produzem as abelhas o mel, gorjeiam os pássaros, a voz do poeta declama feliz; Alcides suporta a glória pagã: Para Théo e Banville, e para Mendes, desejo que cada verso destile um beijo: A estrofe seja a colméia, o alvo nectário dos risos/ E a rima tilinte, cheia de guizos. Na soledade da praia/ ao som das vagas inquietas, festejam a Alcides Maya/ os poetas!... De Píndaro a Anacreonte/ estridulam as cigarras/ E os poetas cobrem a fronte/ de parras...
De uma febril flauta, cujo cantar, de módula cana/ evoca Orfeu Araújo Vianna... E o riso aristofanesco de Bastos Tigre se escuta/ vindo de um recesso fresco da gruta... Com a lira de ouro ao colo, entoa o seu verso eterno/ Goulart de Andrade – este Apolo Moderno. De Malaguti, doirada por fulvos cabelos de ouro/ brilha a cabeça aureolada de louro. Tu, Oscar Lopes, que vives cinzelando uma obra-prima/ como impecável ourives da rima... Flava de pólen sem susto/ uma abelha de ouro pousa/ na boca de Otávio Augusto/ de Souza. Cantam no bosque profundo, à sombra em flor de um loureiro/ Leal de Souza e Raymundo Monteiro... À mocidade da graça bebamos o vinho de Hebe:/ Melpomene empunha a taça e bebe! Annibal Theophilo, amemos o sabor desta bebida/ que encerra os sonhos supremos da vida! E Annibal modula um canto, soprando em frágil caniço/ e envolto num leve manto/ de bysso... Louvemos a Afonso Aquino e a ti, que a blague difundes/ ó D’Artagnan Marcolino Fagundes!... E, embora Alcides prefira a vez das liras gloriosas/ aqui lhe oferto uma lira de rosas.
Alcides Maya foi “o militante positivista” que exerceu forte influência no pensamento dos que o cercavam. Sereno, insinuante, obstinado, conquistou para as suas idéias vários intelectuais que freqüentavam a “República das Laranjeiras”. Sua figura seduzia por trás das lentes grossas, os olhos miúdos, firmes; a voz era suave; e a cabeleira revolta, de pensador, compunha a imagem de líder intelectual.
Annibal Theophilo dedicava grande amizade ao conterrâneo. Houve mesmo época em que moravam juntos, em casa de dona Mamita, mãe do poeta, na Avenida Pedro Ivo, próximo à Quinta da Boa Vista. A ele deve o poeta de “A Cegonha” a sua adesão às idéias comtianas.
Annibal Theophilo dirigia-se sempre a Bilac com o tu dos bons gaúchos, mas, esclarecia, era um TU, com letras maiúsculas, como se fosse para um ídolo.
O prestígio de Bilac! Venerava-se ao Barão do Rio Branco, aplaudia-se Ruy Barbosa, amava-se a Olavo Bilac!
Carolina Bilac, sobrinha do poeta da “Via Láctea”, lembra que Annibal Theophilo e Olavo Bilac eram amigos inseparáveis:
– Aquela bela figura, por muitas vezes visitou-nos e alegrou-nos com sua presença amável e inteligência viva. Bilac queria-o muito...
Dizia Martins Fontes lembrando Annibal Theophilo:
Paladino moço, flor da Cavalaria, espelho da lealdade, transfiguração de Lisuarte, de Sagramor, de Galaaz, de Esplandiano, de Castro Forte ou de Pacheco Ousada, ou de Albuquerque Terríbil... Idealizai uma dessas figuras do tempo em que D. João era o Rei Trovador, no viço da idade florida, erguendo ao Sol a signa votiva, galopando por entre os esquadrões da Ala da Madressilva, da Ala dos Namorados.
A Eleição Do Príncipe Dos Poetas – 1913
A Revista Fon-Fon programou uma eleição para a escolha daquele que receberia o Título de príncipe dos poetas brasileiros, idéia que seria trazida da França, que já elegera o seu preferido. Foi programa bem aceito no meio da intelectualidade. Escritores, poetas, jornalistas, artistas, depositariam seus votos de forma espontânea, revelando suas preferências. As urnas ficariam no saguão de entrada da redação daquele periódico. A iniciativa merece a simpatia e o interesse da sociedade intelectual do Rio de Janeiro. Grande adesão de mais de cem votantes. Os primeiros resultados já indicavam os nomes aureolados pela crônica literária e pela preferência do povo: Olavo Bilac, Alberto de Oliveira, despontavam como os primeiros escolhidos, seguidos por, Emílio de Meneses, Mario Pederneira, Vicente de Carvalho, Hermes Fontes e outros.
No dia 19 de abril as urnas foram abertas confirmando Olavo Bilac com 39 votos, Alberto de Oliveira com 34, Mario Pederneira 13, Emílio de Menezes, 5 e uma extensa relação de muitos nomes. Bilac chegara da Europa, sendo homenageado no salão nobre do Jornal do Comércio, dia 21 de julho de 1913. Olegário Mariano disse-nos que o voto de Annibal Theophilo foi para Alberto de Oliveira. O poeta das Cigarras, seria mais tarde escolhido como príncipe dos poetas brasileiros.
A Avenida Das Lágrimas
A um Poeta morto Quando a primeira vez a harmonia secreta De uma lira acordou, gemendo, a terra inteira, Dentro do coração do primeiro poeta Desabrochou a flor da lágrima primeira. E o poeta sentiu os olhos rasos de água; Subiu-lhe à boca, ansioso, o primeiro queixume: Tinha nascido a flor da paixão e da mágoa, Que possui, como a rosa, espinhos e perfume. E na terra, por onde o sonhador passava, Ia a roxa corola espalhando as sementes; De modo que, a brilhar, pelo sol ficava Uma vegetação de lágrimas ardentes. Foi assim que se fez a Via Dolorosa, A avenida ensombrada e triste da saudade, Onde se arrasta, à noite, a procissão chorosa Dos órfãos do carinho e da felicidade. Recalcando no peito os gritos e soluços, Tu conheceste bem essa longa avenida, Tu que, chorando em vão, te esfalfaste, de bruços, Para, infeliz, galgar o Calvário da Vida. Teu pé também deixou um sinal neste solo; Também por este solo arrastaste o teu manto... E, ó Musa, a harpa infeliz que sustinhas ao colo, Passou para outras mãos, molhou-se de outro pranto. Mas tua alma ficou, livre da desventura, Docemente sonhando, às delícias da lua! Entre as flores, agora, uma outra flor fulgura, Guardando na corola uma lembrança tua... O aroma dessa flor, que o teu martírio encerra, Se imortalizará, pelas almas disperso! Porque purificou a torpeza da terra Quem deixou sobre a terra uma lágrima e um verso. Olavo Bilac |
Homenagem a Olavo Bilac, eleito Príncipe dos poetas brasileiros a 21 de julho de 1913. À mesa estão Jorge Jobim, Homero Prates, Annibal Theophilo, Lindolfo Collor, Gregório Fonseca, Olavo Bilac, Alberto de Oliveira, Alcides Maya (discursando), Heitor Lima, José Oiticica e Leal de Souza. Nessa festa muitos declamaram ao príncipe. Annibal Theophilo recitou “Vulnerant omnes, Ultima necat”, Heitor Lima declamou “Ouro Preto”; Leal de Souza disse “Ressurreição”; José Oiticica, trechos da “Via Láctea”. Olavo Bilac disse que a homenagem era extensiva ao poeta de “A Cegonha”, pois aquela data era também a do aniversário do poeta Annibal Theophilo.
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Calixto Cordeiro E Mistinguett
Mistinguett viera ao Brasil e apresentava-se no Teatro Lírico. O nosso famoso caricaturista para lá se dirigiu já com a intenção de “enfeixa-la”. De pronto, os traços mágicos foram lançados no papel. Mistinguett demonstra interesse em ver o trabalho do artista. Mas não gostou e irritada rasgou no camarim o desenho. No dia seguinte, a imprensa publicava a cópia fiel da caricatura. Calixto reproduzira, na redação do jornal, os traços que lhe inspirara a “dama das pernas sublimes”. Assim era o artista que enfrentou situações difíceis em vários governos da República em razão dos seus desenhos de genial mordacidade. Calixto Cordeiro foi uma figura singular. Marcou época na nossa sociedade. Durante muitos e muitos anos, até sua morte, Calixto usou o seu impecável fraque, de cor bege, cinza, azul marinho ou branco; gravata “plastron” presa por alfinete; sapatos a Luís XV, desenhados por ele mesmo. O público parava para admira-lo e ele, dentro da sua naturalidade, sem se deixar turbar pela fama, atravessou os anos, fiel à sua arte e ao seu temperamento. Tinha olhos críticos para as imposturas e olhos atentos para a beleza. Calixto ilustrou alguns dos célebres sonetos de Annibal Theophilo, inclusive “A Cegonha”. O poeta lhe dedicou o poema “Angelus”, considerado pelo autor como dos mais perfeitos sonetos que escreveu. Assim contava Péricles Morais e assim informa Antero de Almeida, no “Reminiscências”, em páginas de mestre. |
Página 152 do livro de Herman Lima “História da Literatura no Brasil”.
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Segue-se um bilhete de Annibal Theophilo dirigido a Calixto e a dedicatória no livro “Rimas”. Reproduzimos também a ilustração em cores do célebre soneto “A Cegonha”, publicado na capa da Revista “Fon-Fon”.
O bilhete se refere ao poeta Marcello Gama:
Calixto amigo, vem com a maior urgência aqui à Secretaria do Teatro, do contrário a conferência que anunciaste com o Marcello não terá luar. Do teu ex corde Annibal Theophilo A dedicatória: A Calixto Cordeiro Glória da caricatura nacional – com amizade e admiração. Abril de 1912 Annibal Theophilo |
A Um Poeta Morto
“E na Terra, por onde o sonhador passava,
Já a roxa corola espalhando as sementes;
De modo que, a brilhar, pelo sol ficava
Uma vegetação de lágrimas ardentes”.
“Foi assim que se fez a Via dolosa,
A avenida ensombrada e triste de saudade,
Onde se arrasta, a noite, a procissão chorosa
Dos órfãos do carinho e da felicidade”.
“Teu pé também deixou um sinal neste solo.
Também por este solo arrastaste o teu manto...
E, ó musa, a harpa infeliz que sustinha no colo,
Passou para outras mãos, molhou-se de outro pranto...”.
Olavo Bilac
“O poeta era um homem sério, franco nas suas atitudes; primava pelo respeito e consideração para com seus amigos. Orgulhoso, jamais aceitou reconciliação com Gilberto Amado”. Olegário Mariano
Os mortos que merecem as palavras luminosas de seus contemporâneos terão que ser respeitados.
A Morte De Proteu
A peça de Machado de Assis “Os Deuses de Casaca”, estava sendo ensaiada para ser levada nos próximos dias no Teatro Municipal.
Reuniam-se os interpretes Olavo Bilac, Bastos Tigre, Emílio de Meneses, Coelho Neto, Oscar Lopes, Goulart de Andrade, Luis Edmundo e Annibal Theophilo.
Olavo Bilac seria o Prólogo
Coelho Neto, o Epílogo
Bastos Tigre, Marte
Oscar Lopes, Apolo
Emílio de Meneses, Júpiter
Goulart de Andrade, Vulcano
Luis Edmundo, Cupido
Leal de Souza, Mercúrio
Annibal Theophilo, Proteu
A grande surpresa: Proteu foi assassinado e a peça jamais foi levada à cena. Alguns ensaios foram tentados com outros intérpretes, sem resultado.
Fim De Festa
Dia 19 de junho de 1915. A Sociedade Brasileira de Homens de Letras organizava conferência para angariar fundos para a sobrevivência da Entidade. O salão nobre do “Jornal do Comércio”, na Avenida Rio Branco esquina de Ouvidor era o ponto de encontro. Presentes à mesa escritores e poetas que deveriam se apresentar naquela noite. Salão lotado. Pleno sucesso, aplausos. Terminada a reunião os literatos retiram-se; em seguida o grupo é fotografado e, aos poucos descem ao saguão do andar térreo. Mais ou menos às 18:30 h. uma cena trágica: o poeta Annibal Theophilo é assassinado pelo deputado Gilberto Amado. A elite intelectual brasileira viveu momentos angustiantes. Como justificar um crime praticado em ambiente do nível mais alto de nossa vida cultural, cujo propósito era dar continuado apoio à casa dos homens de letras de nosso país? Dizia Emílio de Menezes: “A Sociedade Brasileira de Homens de Letras, em obra de união e de paz, digna de gente que pensa, recebeu uma notável colaboração na noite do crime. Cerraram-se as fileiras. O enterro de Annibal Theophilo foi uma apoteose. Ninguém faltou. Em suma: Nunca houve no Rio de Janeiro um movimento de solidariedade literária como esse”. O clamor da sociedade se fez sentir através dos órgãos de imprensa que publicou uma lista de nomes dos que compareceram ao cortejo fúnebre do poeta de quase duas centenas de acompanhantes, como última homenagem ao autor de Rimas- Musa Erradia- Folhas de um Poema. No enterro falaram além de Alcides Maia, o poeta Flexa Ribeiro e representante do povo Vicente de Souza.
O Início Da Tragédia
- “Não foi ao senhor que eu cumprimentei. Fi-lo a uma senhora que estava próxima. Não se iluda, ao senhor não cumprimento”...
O redator da “Província de Pernambuco”, em 29 de junho, que assistu à cena, esclarecia: ...“Simples frase, frase esta que tive ocasião de ouvir. E Annibal Theophilo pronunciou estas palavras com tanta calma e tão baixo que eu supus tratar-se de uma pilhéria, pois não sabia da inimizade existente”. Annibal Theophilo desprezava Gilberto Amado, que tentava, por todos os meios, reatar amizade com aqueles que se afastaram dele, depois do episódio da casa de Coelho Neto.
Carlos Drummond de Andrade, em crônica no Jornal do Brasil, de 18 de setembro de 1979, afirmava ... “Aquele Crime”... “Chega-se à conclusão que não havia motivo algum para o crime. Idem, em Contos Plausíveis”, página 41.
Carlos Maul, em carta confirma que a recusa de conciliação se esgotou ao longo do tempo sem que houvesse intermediários interessados. A recusa de reatar amizade com Gilberto Amado não era só de Annibal Theophilo.
A Cena Do Crime
No saguão do Jornal do Comércio, no térreo, após terem sido fotografados, os participantes da cerimônia literária se retiravam. À saída do elevador, o poeta Annibal Theophilo junto com os amigos Juvenal Pacheco e Goulart de Andrade conversavam. Foram interrompidos por Paulo Hasslocher que dirigiu-se ao poeta para pedir satisfações sobre o que se passara no andar superior, quando Annibal Theophilo recusara o cumprimento de Gilberto Amado.
- “O senhor tentou desfeitear um amigo meu!” diz Hasslocher.
- “Desfeiteei e não lhe dou satisfações”, responde o poeta.
Hasslocher num gesto brusco levanta a bengala contra o poeta que num impulso afasta-o . Detrás da escadaria vem Gilberto Amado de arma em punho e detona três tiros atingindo a nuca do poeta, seccionando-lhe a medula espinhal, prostrando-o ao solo. (Depoimentos e Folhas do Processo Fls. 144-146)
Cerca de trinta pessoas presentes ao cenário do crime. Mais de dez depoimentos foram registrados. Juvenal Pacheco, irmão do deputado Felix Pacheco, diretor do Jornal do Comércio, ao lado de Annibal Theophilo, testemunhou e depôs, contrariando interesses que tentavam favorecer o autor do crime. (Depoimento apontado pelo próprio réu como de inegável superioridade sobre as demais testemunhas) – Juvenal Pacheco honrou o nome da família, disse-nos dona Stella Werneck, filha do jornalista, diretora do Museu do Teatro Municipal, quando a entrevistamos. Outras testemunhas aparecem na relação do Ministério Público, assinada pelo Promotor André de Faria Ribeiro: Olavo Bilac, Jorge Schimidt, Leal de Souza, Oscar Lopes, Luís Edmundo. Todos os depoimentos comprometiam seriamente o acusado. Mais depoimentos aumentariam o rol de acusações (Fls. 52-101-125-126-130-132). A Imprensa deste país, unânime no seu clamor, condenou o crime de forma veemente. O que ficou registrado para a História não poderá jamais ser contestado. Valemo-nos aqui de transcrever as páginas dos periódicos que relatam os acontecimentos com a grande reação da sociedade ofendida.
Proteção Política
O guarda civil Otacílio dos Santos Carvalho, que prendeu o acusado e levou-o à Delegacia, comunicou às autoridades de que houve flagrante com muitas testemunhas. O agente de segurança José Maria de Macedo reforçou a atitude do guarda civil. – “Não posso ser preso, sou deputado, tenho imunidades” - dizia Gilberto Amado, cercado por outros deputados que pressionavam o delegado para que não houvesse registro do flagrante. Os delegados Frutuoso Moniz de Aragão e Leon Roussurière não recuaram na sua decisão, apoiados que foram pelo chefe de polícia Aurelino Leal. A imprensa comentava que Pinheiro Machado telefonara, “pedindo atenção para o caso”. Olegário Mariano relatou-nos sobre a ida de literatos ao Morro da Graça para interpelar o senador Pinheiro Machado sobre as tentativas de proteção política em favor de Gilberto Amado. O grupo, com coragem e decisão, era constituído de Olavo Bilac, Coelho Neto, Oscar Lopes, Felipe de Oliveira, Gregório Fonseca, Alcides Maia, Martins Fontes e o próprio Olegário.
Diga-se, a bem da verdade, que a Câmara autorizou o processo contra o deputado Gilberto Amado.
“O Fim De Tudo... Espera- se Um Espanto!...”
O poeta Annibal Theophilo teve a responsabilidade de declamar o seu poema À Ausente, na festa do salão nobre do Jornal do Comércio. Seria sua última apresentação em público. Seu último aplauso.
À Ausente
... Oh, amar e estar só nesses dias sombrios
Tem-se ímpetos no peito e os dedos tremem frios...
Quer-se chorar, e tarda o pranto
Nubla-se o olhar, queda-se imoto o lábio mudo
Vem a impressão de que começa o fim de tudo
E, em ânsia espera-se um espanto!...
A Triste Visão
Olavo Bilac anteviu a morte de Annibal Theophilo. Em reunião social Bilac teve sua atenção voltada para um canto de sala. Estava um corpo caído, ensanguentado. Outra vez, tomado pela visão repetida: era o corpo de Annibal Teophilo. Afastou-se dos companheiros presentes à festa. Mais tarde revelou a premonição trágica a Martins Fontes, Oscar Lopes e Goulart de Andrade, emocionado. Seria confirmado o vaticínio.
Tragédias Repetidas
A imprensa noticiou uma coincidência trágica que se repetia com aqueles que ocuparam a direção do Teatro Municipal: João de Deus Freitas, com problemas pessoais, põe fim à vida; Aristeu Dantas acidentou-se com arma de fogo; Annibal Theophilo completou o histórico trágico: foi assassinado.
A elite intelectual brasileira, no ano de 1915 perdeu ainda o poeta de “Os Bandeirantes”, Batista Cepelos, que suicidou-se e Marcelo Gama, autor de “Via Láctea”, que perdeu a vida em desastre na via férrea.
Homenagens
Hora Literária para angariar mais um pecúlio para os filhos do poeta. A Sociedade Brasileira de Homens de Letras realizou-a no Salão Nobre do Jornal do Comércio. Gregório da Fonseca falou sobre “A Mocidade Cavalheiresca de Annibal Theophilo”; Alberto de Oliveira declamou “A Esperança”; Goulart de Andrade disse “Devotamento”; “Perfeição Ignorada” foi interpretada por Martins Fontes; Emílio de Menezes recitou “Saudades”; “Súplica” foi revivida por Oscar Lopes; “Mater” por Olavo Bilac; “O Melhor Guia” foi recitado pela Srta. Rosalina Coelho Lisboa e “Palavras de um Forte” por Leal de Souza. Vários sonetos de Annibal Theophilo foram musicados. O maestro Chiaffitelli musicou “Angelus”, interpretado pelo barítono Frederico Nascimento. Outros sonetos foram impressos em cartão postal, cuja venda seria revertida para a família enlutada. Antero de Almeida publicou pequena biografia sobre o poeta, com a mesma finalidade.
O Poema São João
A pedido de Raul Pederneira, Annibal compôs o soneto “São João”, para ser publicado em O Imparcial, nas comemorações das festas juninas, no dia 24 de junho. Com magnífica ilustração, Raul, recebeu a dedicatória do poeta. O jornal exibiu o poema como homenagem “À memória de Annibal Theophilo”.
São João
“Sonham nos corações dos moços-
que esperança!
Choram nos corações dos velhos-
que saudade!”
A Cegonha
Os professores e filólogos José Oiticica e Astério de Campos, produziram páginas críticas sobre o histórico e a essência construtiva do soneto que premiou o poeta em concurso realizado no Rio de Janeiro, patrocinado pela Revista “Fon-Fon”. São longas exposições de caráter crítico-interpretativo.
Durante o longo tempo de nossas pesquisas sobre o poeta e sua obra, tivemos a surpresa de assistir aqueles que entrevistávamos saberem de cor os versos de “A Cegonha”, “Ruínas”, “Angelus”, “Ri, Coração”, “Irmãs de Caridade” e “São João”, numa comprovação de que a cultura resiste e sobrevive em seus valores imperecíveis.
A Antologia Poética de Annibal Theophilo deverá ser acompanhada com a crítica de sua obra.
Dois Destinos
1915 - Dois acontecimentos marcaram a vida literária e política na capital da República e do Brasil. Dois destinos. Em 19 de junho, a literatura perdeu Annibal Theophilo; em 17 de setembro, Pinheiro Machado foi assassinado à traição, como fora o poeta. Mâncio Paiva apunhalara o poderoso líder político, na porta do Hotel dos Estrangeiros. Nesse pequeno espaço de tempo a sociedade brasileira via-se envolvida de comoção com as duas grandes tragédias. No primeiro caso, políticos de uma facção poderosa querendo libertar o deputado criminoso; no outro, querendo levar à pena máxima o assassino de Pinheiro Machado. Estes conseguiram seu intento.
Leal de Souza em artigo na revista “Careta” de 18/09/1915 faz analogia dos dois casos. Os políticos que foram insensíveis na dor dos literatos, sentiam, então, a dor da perda do grande líder político.
“Nunca Deixei De Te Amar”...
Dona Sinhá, durante muitos anos permaneceu na expectativa do regresso do marido na fase do isolamento na Amazônia. O poeta, quando partiu, a esposa tinha 23 anos de idade, com três filhos menores. Voltou ao Rio de Janeiro em 1907, regressando a Manaus para cumprir nova etapa em busca da fortuna. Na tentativa de uma reconciliação, esbarrou sempre na recusa do coração magoado de Dona Sinhá.
Em 1912 volta definitivamente e sente demolidas todas as esperanças de reconstruir o casamento. O poeta esteve sempre próximo à família, sem contudo ter uma solução pacífica. Dona Sinhá só veio a perdoá-lo, entre soluços, quando o viu morto e, à beira do caixão, exclamou: “Nunca te perdoei em vida. Dou-te o meu perdão agora, porque nunca deixei de te amar”... “Deus, só Tu saberás da minha grande dor!”...
A Dama De Negro
Martins Fontes relata a cena da presença de uma senhora diante do poeta morto. Toda de negro e véu cobrindo-lhe a face, aproxima-se do caixão e beija-lhe as mãos e a face do poeta. E, em silêncio, retira-se, sem que ninguém a pudesse identificar. Durante muitos anos a dama de negro visitava o local do crime, depositando uma braçada de flores. Obtivemos informações de que uma extensa documentação de cartas do poeta endereçada à determinada senhora da sociedade, cujo teor estava dominado de considerável sentimento amoroso. As cartas foram incineradas pela confidente para não ferir susceptibilidade. Restou somente um envelope subscritado com o nome Ondina. Nada mais.
O filho do poeta, Vitor, mantinha amizade com o jovem Moisés, conhecido atleta que atuou nos esportes no Rio de Janeiro. Atribuíam que seria filho de Annibal Theophilo, numa relação extraconjugal. Nossas pesquisas não nos autorizam a tal confirmação.
Nos Anais Da Justiça - O Julgamento - 1916
As disputas acaloradas partiam da acusação e da defesa. O Tribunal viveu os grandes momentos de sua história com a elite de juristas. Nas partes finais do julgamento, parecendo prever o resultado, volta à tribuna o advogado Cirilo Junior e, no auge da eloqüência, proclama a célebre frase que ficou gravada nos anais do Fórum até hoje lembrada e difundida: “Vai mata, sê rico, os homens amanhã te aplaudirão; tu serás querido, adulado, feliz; tuas virtudes serão proclamadas, realizarás grandes obras. A tua vontade é mais forte, deve superar as resistências e os escrúpulos banais... Vai mata, sê absolvido... Mas antes de ir, assassina também as tradições de honra deste Tribunal!”.
Absolvição com base na “dirimente da privação dos sentidos e da inteligência – 4x3”.
O Tribunal Togado confirmou a sentença de 1916.
O Que Fez Annibal Theophilo Por Gilberto Amado
Olegário Mariano confirmou que os amigos de Annibal Theophilo sabiam de tudo que ele tinha feito por Gilberto Amado.
a) Ao lado de Coelho Neto, e de outros companheiros ajudou a Gilberto Amado, desde a vinda do escritor do Nordeste para a capital da República;
b) Intercedeu junto a João Lage, proprietário de “O Paiz”, no sentido de incluir Gilberto Amado, no corpo de redatores daquele jornal;
c) Apresentou-o ao grupo de literatos sulista da Sociedade Sul-Riograndense: Homero Prates, Jorge Jobim, Leal de Souza, Alcides Maia, Gregório da Fonseca, Lindolfo Color; e outros;
d) Convidou-o aos encontros de positivistas, liderados por Alcides Maia, na República das Laranjeiras”.
e) No Teatro Municipal, das mãos de Annibal Theophilo, recebia convites para as récitas; Gilberto era sempre dos primeiros;
f) Recebeu do poeta ficha de inscrição de sócio da Sociedade Brasileira de Homens de Letras.
g) Ofereceu a amizade, sim, por que não? Até...
Confronte-se a afirmação de Coelho Neto de que Annibal Theophilo protegeu o seu desafeto com a alegação de que Gilberto Amado não o conhecia.
O Que Disse Gilberto Amado Sobre Annibal Theophilo
Glorificado nas letras, na política e na diplomacia Gilberto Amado com tantas conquistas, sentiu-se bem à vontade para relatar o acontecimento trágico de 1915. O longo tempo transcorrido apagaria qualquer lembrança de que num fim de festa literária foi assassinado um poeta. O caso poderia ser contado de modo que o causador do crime passasse à posição de inocente vítima. Para isso engendrou um projeto violento contra Annibal Theophilo, com a deliberada intenção de impor ao poeta a triste e inglória fama de algoz do crime, dando essa visão como definitiva, protegido pela força do prestígio que julgava ter.
As memórias escritas deveriam se projetar ao infinito dos tempos, para que as gerações futuras acreditassem, sem contestação, na farsa, na trama bem urdida.
Gilberto Amado, no capítulo “Terrível Prova” do seu livro “Minha vida na política”, diz sobre Annibal Theophilo “...não escrevia em jornais, nem trabalhava em redação, não militava propriamente nas letras, não exercia função pública ou particular, emprego...”. Obra citada. Páginas 335, 336, 337 e 340.
O niilismo moral encontrou reforço na coorte dos amigos de Gilberto Amado que acrescentavam ainda mais contra o poeta... “truculento!... perseguidor implacável!... agressor!... puxões de orelha!... com chispas de fogo no olhar!... Golias contra David... fanfarrão!... zombando da feiúra!...”. Obra citada. Páginas 359, 360, 363 – Magalhães Junior.
Essa imagem de ser desprezível teve a revolta do Dr. Sobral Pinto, nosso defensor, que viveu aqueles momentos da História, conhecedor dos episódios nos seus meandros, não se conformava com as agressões morais e protestava: “A versão de Gilberto Amado desmoralizava e infamava a memória de Annibal Theophilo... Narra o episódio da morte do poeta de maneira a este apresentar e colocar numa situação que o desmoraliza perante a História...”. E acrescenta: “O poeta não era um homem vadio, sem colocação, sem mérito literário, de quem nunca ouvira falar, cujo nome era completamente desconhecido”, como dizia Gilberto Amado... “Annibal Theophilo era poeta de valor, no seio da literatura brasileira, - conviveu durante algum tempo com Gilberto Amado – tinha fama de homem correto e digno, incapaz de se prevalecer, covardemente, de seu vigor físico para humilhar e desmoralizar qualquer semelhante fisicamente débil e fraco!! Que a imagem de Annibal Theophilo pintada por Gilberto Amado não é confirmada pela História”. E fez registrar de forma veemente perante a Justiça.
O que deverá valer para o julgamento da História: a palavra demolidora do eliminador do poeta e de seus acólitos ou a palavra que a História registrou e guardou daqueles que, por longo tempo conviveram com o poeta, que datam e assinam seus depoimentos, aqui expostos. Os elogios e comentários à figura de Annibal Theophilo não são palavras nossas; estão nos anais da História: nos periódicos, nas conferências, nos livros, nas cartas e nas correspondências, nas entrevistas e nos depoimentos datados e com todas as fontes de origem. As vozes aqui ouvidas estarão dizendo quem foi o poeta, o ser humano, seu caráter, os sentimentos que moldavam o seu espírito e o seu orgulho. São muitos depoimentos datados e assinados. Não serão as poucas vozes raivosas que prevalecerão, tentando demolir a postura moral do poeta no curso da trajetória de sua curta existência.
Traços Psicológicos
O consciente é o principio tipicamente humano em nós, que vincula Céu e Terra, que ergue-se e cai, dá um passo à frente e outro atrás, pensa que é divino e, às vezes, se comporta como um animal, interpreta Carlos Avelino. (Revista O Planeta – edição 291 – nº 12 – dez / 1996)
E, Olavo Bilac encerra o seu poema “Dualismo” com o perfil psicológico do ser conturbado pelas paixões:
“...Não ficas com as virtudes satisfeito
Nem te arrependes, infeliz, dos crimes
E no perpétuo ideal que te devora.
Residem juntamente no teu peito
Um demônio que ruge e um deus que chora”.
Olavo Bilac
“E na Terra, por onde o sonhador passava,
Já a roxa corola espalhando as sementes;
De modo que, a brilhar, pelo sol ficava
Uma vegetação de lágrimas ardentes”.
“Foi assim que se fez a Via dolosa,
A avenida ensombrada e triste de saudade,
Onde se arrasta, a noite, a procissão chorosa
Dos órfãos do carinho e da felicidade”.
“Teu pé também deixou um sinal neste solo.
Também por este solo arrastaste o teu manto...
E, ó musa, a harpa infeliz que sustinha no colo,
Passou para outras mãos, molhou-se de outro pranto...”.
Olavo Bilac
“O poeta era um homem sério, franco nas suas atitudes; primava pelo respeito e consideração para com seus amigos. Orgulhoso, jamais aceitou reconciliação com Gilberto Amado”. Olegário Mariano
Os mortos que merecem as palavras luminosas de seus contemporâneos terão que ser respeitados.
A Morte De Proteu
A peça de Machado de Assis “Os Deuses de Casaca”, estava sendo ensaiada para ser levada nos próximos dias no Teatro Municipal.
Reuniam-se os interpretes Olavo Bilac, Bastos Tigre, Emílio de Meneses, Coelho Neto, Oscar Lopes, Goulart de Andrade, Luis Edmundo e Annibal Theophilo.
Olavo Bilac seria o Prólogo
Coelho Neto, o Epílogo
Bastos Tigre, Marte
Oscar Lopes, Apolo
Emílio de Meneses, Júpiter
Goulart de Andrade, Vulcano
Luis Edmundo, Cupido
Leal de Souza, Mercúrio
Annibal Theophilo, Proteu
A grande surpresa: Proteu foi assassinado e a peça jamais foi levada à cena. Alguns ensaios foram tentados com outros intérpretes, sem resultado.
Fim De Festa
Dia 19 de junho de 1915. A Sociedade Brasileira de Homens de Letras organizava conferência para angariar fundos para a sobrevivência da Entidade. O salão nobre do “Jornal do Comércio”, na Avenida Rio Branco esquina de Ouvidor era o ponto de encontro. Presentes à mesa escritores e poetas que deveriam se apresentar naquela noite. Salão lotado. Pleno sucesso, aplausos. Terminada a reunião os literatos retiram-se; em seguida o grupo é fotografado e, aos poucos descem ao saguão do andar térreo. Mais ou menos às 18:30 h. uma cena trágica: o poeta Annibal Theophilo é assassinado pelo deputado Gilberto Amado. A elite intelectual brasileira viveu momentos angustiantes. Como justificar um crime praticado em ambiente do nível mais alto de nossa vida cultural, cujo propósito era dar continuado apoio à casa dos homens de letras de nosso país? Dizia Emílio de Menezes: “A Sociedade Brasileira de Homens de Letras, em obra de união e de paz, digna de gente que pensa, recebeu uma notável colaboração na noite do crime. Cerraram-se as fileiras. O enterro de Annibal Theophilo foi uma apoteose. Ninguém faltou. Em suma: Nunca houve no Rio de Janeiro um movimento de solidariedade literária como esse”. O clamor da sociedade se fez sentir através dos órgãos de imprensa que publicou uma lista de nomes dos que compareceram ao cortejo fúnebre do poeta de quase duas centenas de acompanhantes, como última homenagem ao autor de Rimas- Musa Erradia- Folhas de um Poema. No enterro falaram além de Alcides Maia, o poeta Flexa Ribeiro e representante do povo Vicente de Souza.
O Início Da Tragédia
- “Não foi ao senhor que eu cumprimentei. Fi-lo a uma senhora que estava próxima. Não se iluda, ao senhor não cumprimento”...
O redator da “Província de Pernambuco”, em 29 de junho, que assistu à cena, esclarecia: ...“Simples frase, frase esta que tive ocasião de ouvir. E Annibal Theophilo pronunciou estas palavras com tanta calma e tão baixo que eu supus tratar-se de uma pilhéria, pois não sabia da inimizade existente”. Annibal Theophilo desprezava Gilberto Amado, que tentava, por todos os meios, reatar amizade com aqueles que se afastaram dele, depois do episódio da casa de Coelho Neto.
Carlos Drummond de Andrade, em crônica no Jornal do Brasil, de 18 de setembro de 1979, afirmava ... “Aquele Crime”... “Chega-se à conclusão que não havia motivo algum para o crime. Idem, em Contos Plausíveis”, página 41.
Carlos Maul, em carta confirma que a recusa de conciliação se esgotou ao longo do tempo sem que houvesse intermediários interessados. A recusa de reatar amizade com Gilberto Amado não era só de Annibal Theophilo.
A Cena Do Crime
No saguão do Jornal do Comércio, no térreo, após terem sido fotografados, os participantes da cerimônia literária se retiravam. À saída do elevador, o poeta Annibal Theophilo junto com os amigos Juvenal Pacheco e Goulart de Andrade conversavam. Foram interrompidos por Paulo Hasslocher que dirigiu-se ao poeta para pedir satisfações sobre o que se passara no andar superior, quando Annibal Theophilo recusara o cumprimento de Gilberto Amado.
- “O senhor tentou desfeitear um amigo meu!” diz Hasslocher.
- “Desfeiteei e não lhe dou satisfações”, responde o poeta.
Hasslocher num gesto brusco levanta a bengala contra o poeta que num impulso afasta-o . Detrás da escadaria vem Gilberto Amado de arma em punho e detona três tiros atingindo a nuca do poeta, seccionando-lhe a medula espinhal, prostrando-o ao solo. (Depoimentos e Folhas do Processo Fls. 144-146)
Cerca de trinta pessoas presentes ao cenário do crime. Mais de dez depoimentos foram registrados. Juvenal Pacheco, irmão do deputado Felix Pacheco, diretor do Jornal do Comércio, ao lado de Annibal Theophilo, testemunhou e depôs, contrariando interesses que tentavam favorecer o autor do crime. (Depoimento apontado pelo próprio réu como de inegável superioridade sobre as demais testemunhas) – Juvenal Pacheco honrou o nome da família, disse-nos dona Stella Werneck, filha do jornalista, diretora do Museu do Teatro Municipal, quando a entrevistamos. Outras testemunhas aparecem na relação do Ministério Público, assinada pelo Promotor André de Faria Ribeiro: Olavo Bilac, Jorge Schimidt, Leal de Souza, Oscar Lopes, Luís Edmundo. Todos os depoimentos comprometiam seriamente o acusado. Mais depoimentos aumentariam o rol de acusações (Fls. 52-101-125-126-130-132). A Imprensa deste país, unânime no seu clamor, condenou o crime de forma veemente. O que ficou registrado para a História não poderá jamais ser contestado. Valemo-nos aqui de transcrever as páginas dos periódicos que relatam os acontecimentos com a grande reação da sociedade ofendida.
Proteção Política
O guarda civil Otacílio dos Santos Carvalho, que prendeu o acusado e levou-o à Delegacia, comunicou às autoridades de que houve flagrante com muitas testemunhas. O agente de segurança José Maria de Macedo reforçou a atitude do guarda civil. – “Não posso ser preso, sou deputado, tenho imunidades” - dizia Gilberto Amado, cercado por outros deputados que pressionavam o delegado para que não houvesse registro do flagrante. Os delegados Frutuoso Moniz de Aragão e Leon Roussurière não recuaram na sua decisão, apoiados que foram pelo chefe de polícia Aurelino Leal. A imprensa comentava que Pinheiro Machado telefonara, “pedindo atenção para o caso”. Olegário Mariano relatou-nos sobre a ida de literatos ao Morro da Graça para interpelar o senador Pinheiro Machado sobre as tentativas de proteção política em favor de Gilberto Amado. O grupo, com coragem e decisão, era constituído de Olavo Bilac, Coelho Neto, Oscar Lopes, Felipe de Oliveira, Gregório Fonseca, Alcides Maia, Martins Fontes e o próprio Olegário.
Diga-se, a bem da verdade, que a Câmara autorizou o processo contra o deputado Gilberto Amado.
“O Fim De Tudo... Espera- se Um Espanto!...”
O poeta Annibal Theophilo teve a responsabilidade de declamar o seu poema À Ausente, na festa do salão nobre do Jornal do Comércio. Seria sua última apresentação em público. Seu último aplauso.
À Ausente
... Oh, amar e estar só nesses dias sombrios
Tem-se ímpetos no peito e os dedos tremem frios...
Quer-se chorar, e tarda o pranto
Nubla-se o olhar, queda-se imoto o lábio mudo
Vem a impressão de que começa o fim de tudo
E, em ânsia espera-se um espanto!...
A Triste Visão
Olavo Bilac anteviu a morte de Annibal Theophilo. Em reunião social Bilac teve sua atenção voltada para um canto de sala. Estava um corpo caído, ensanguentado. Outra vez, tomado pela visão repetida: era o corpo de Annibal Teophilo. Afastou-se dos companheiros presentes à festa. Mais tarde revelou a premonição trágica a Martins Fontes, Oscar Lopes e Goulart de Andrade, emocionado. Seria confirmado o vaticínio.
Tragédias Repetidas
A imprensa noticiou uma coincidência trágica que se repetia com aqueles que ocuparam a direção do Teatro Municipal: João de Deus Freitas, com problemas pessoais, põe fim à vida; Aristeu Dantas acidentou-se com arma de fogo; Annibal Theophilo completou o histórico trágico: foi assassinado.
A elite intelectual brasileira, no ano de 1915 perdeu ainda o poeta de “Os Bandeirantes”, Batista Cepelos, que suicidou-se e Marcelo Gama, autor de “Via Láctea”, que perdeu a vida em desastre na via férrea.
Homenagens
Hora Literária para angariar mais um pecúlio para os filhos do poeta. A Sociedade Brasileira de Homens de Letras realizou-a no Salão Nobre do Jornal do Comércio. Gregório da Fonseca falou sobre “A Mocidade Cavalheiresca de Annibal Theophilo”; Alberto de Oliveira declamou “A Esperança”; Goulart de Andrade disse “Devotamento”; “Perfeição Ignorada” foi interpretada por Martins Fontes; Emílio de Menezes recitou “Saudades”; “Súplica” foi revivida por Oscar Lopes; “Mater” por Olavo Bilac; “O Melhor Guia” foi recitado pela Srta. Rosalina Coelho Lisboa e “Palavras de um Forte” por Leal de Souza. Vários sonetos de Annibal Theophilo foram musicados. O maestro Chiaffitelli musicou “Angelus”, interpretado pelo barítono Frederico Nascimento. Outros sonetos foram impressos em cartão postal, cuja venda seria revertida para a família enlutada. Antero de Almeida publicou pequena biografia sobre o poeta, com a mesma finalidade.
O Poema São João
A pedido de Raul Pederneira, Annibal compôs o soneto “São João”, para ser publicado em O Imparcial, nas comemorações das festas juninas, no dia 24 de junho. Com magnífica ilustração, Raul, recebeu a dedicatória do poeta. O jornal exibiu o poema como homenagem “À memória de Annibal Theophilo”.
São João
“Sonham nos corações dos moços-
que esperança!
Choram nos corações dos velhos-
que saudade!”
A Cegonha
Os professores e filólogos José Oiticica e Astério de Campos, produziram páginas críticas sobre o histórico e a essência construtiva do soneto que premiou o poeta em concurso realizado no Rio de Janeiro, patrocinado pela Revista “Fon-Fon”. São longas exposições de caráter crítico-interpretativo.
Durante o longo tempo de nossas pesquisas sobre o poeta e sua obra, tivemos a surpresa de assistir aqueles que entrevistávamos saberem de cor os versos de “A Cegonha”, “Ruínas”, “Angelus”, “Ri, Coração”, “Irmãs de Caridade” e “São João”, numa comprovação de que a cultura resiste e sobrevive em seus valores imperecíveis.
A Antologia Poética de Annibal Theophilo deverá ser acompanhada com a crítica de sua obra.
Dois Destinos
1915 - Dois acontecimentos marcaram a vida literária e política na capital da República e do Brasil. Dois destinos. Em 19 de junho, a literatura perdeu Annibal Theophilo; em 17 de setembro, Pinheiro Machado foi assassinado à traição, como fora o poeta. Mâncio Paiva apunhalara o poderoso líder político, na porta do Hotel dos Estrangeiros. Nesse pequeno espaço de tempo a sociedade brasileira via-se envolvida de comoção com as duas grandes tragédias. No primeiro caso, políticos de uma facção poderosa querendo libertar o deputado criminoso; no outro, querendo levar à pena máxima o assassino de Pinheiro Machado. Estes conseguiram seu intento.
Leal de Souza em artigo na revista “Careta” de 18/09/1915 faz analogia dos dois casos. Os políticos que foram insensíveis na dor dos literatos, sentiam, então, a dor da perda do grande líder político.
“Nunca Deixei De Te Amar”...
Dona Sinhá, durante muitos anos permaneceu na expectativa do regresso do marido na fase do isolamento na Amazônia. O poeta, quando partiu, a esposa tinha 23 anos de idade, com três filhos menores. Voltou ao Rio de Janeiro em 1907, regressando a Manaus para cumprir nova etapa em busca da fortuna. Na tentativa de uma reconciliação, esbarrou sempre na recusa do coração magoado de Dona Sinhá.
Em 1912 volta definitivamente e sente demolidas todas as esperanças de reconstruir o casamento. O poeta esteve sempre próximo à família, sem contudo ter uma solução pacífica. Dona Sinhá só veio a perdoá-lo, entre soluços, quando o viu morto e, à beira do caixão, exclamou: “Nunca te perdoei em vida. Dou-te o meu perdão agora, porque nunca deixei de te amar”... “Deus, só Tu saberás da minha grande dor!”...
A Dama De Negro
Martins Fontes relata a cena da presença de uma senhora diante do poeta morto. Toda de negro e véu cobrindo-lhe a face, aproxima-se do caixão e beija-lhe as mãos e a face do poeta. E, em silêncio, retira-se, sem que ninguém a pudesse identificar. Durante muitos anos a dama de negro visitava o local do crime, depositando uma braçada de flores. Obtivemos informações de que uma extensa documentação de cartas do poeta endereçada à determinada senhora da sociedade, cujo teor estava dominado de considerável sentimento amoroso. As cartas foram incineradas pela confidente para não ferir susceptibilidade. Restou somente um envelope subscritado com o nome Ondina. Nada mais.
O filho do poeta, Vitor, mantinha amizade com o jovem Moisés, conhecido atleta que atuou nos esportes no Rio de Janeiro. Atribuíam que seria filho de Annibal Theophilo, numa relação extraconjugal. Nossas pesquisas não nos autorizam a tal confirmação.
Nos Anais Da Justiça - O Julgamento - 1916
As disputas acaloradas partiam da acusação e da defesa. O Tribunal viveu os grandes momentos de sua história com a elite de juristas. Nas partes finais do julgamento, parecendo prever o resultado, volta à tribuna o advogado Cirilo Junior e, no auge da eloqüência, proclama a célebre frase que ficou gravada nos anais do Fórum até hoje lembrada e difundida: “Vai mata, sê rico, os homens amanhã te aplaudirão; tu serás querido, adulado, feliz; tuas virtudes serão proclamadas, realizarás grandes obras. A tua vontade é mais forte, deve superar as resistências e os escrúpulos banais... Vai mata, sê absolvido... Mas antes de ir, assassina também as tradições de honra deste Tribunal!”.
Absolvição com base na “dirimente da privação dos sentidos e da inteligência – 4x3”.
O Tribunal Togado confirmou a sentença de 1916.
O Que Fez Annibal Theophilo Por Gilberto Amado
Olegário Mariano confirmou que os amigos de Annibal Theophilo sabiam de tudo que ele tinha feito por Gilberto Amado.
a) Ao lado de Coelho Neto, e de outros companheiros ajudou a Gilberto Amado, desde a vinda do escritor do Nordeste para a capital da República;
b) Intercedeu junto a João Lage, proprietário de “O Paiz”, no sentido de incluir Gilberto Amado, no corpo de redatores daquele jornal;
c) Apresentou-o ao grupo de literatos sulista da Sociedade Sul-Riograndense: Homero Prates, Jorge Jobim, Leal de Souza, Alcides Maia, Gregório da Fonseca, Lindolfo Color; e outros;
d) Convidou-o aos encontros de positivistas, liderados por Alcides Maia, na República das Laranjeiras”.
e) No Teatro Municipal, das mãos de Annibal Theophilo, recebia convites para as récitas; Gilberto era sempre dos primeiros;
f) Recebeu do poeta ficha de inscrição de sócio da Sociedade Brasileira de Homens de Letras.
g) Ofereceu a amizade, sim, por que não? Até...
Confronte-se a afirmação de Coelho Neto de que Annibal Theophilo protegeu o seu desafeto com a alegação de que Gilberto Amado não o conhecia.
O Que Disse Gilberto Amado Sobre Annibal Theophilo
Glorificado nas letras, na política e na diplomacia Gilberto Amado com tantas conquistas, sentiu-se bem à vontade para relatar o acontecimento trágico de 1915. O longo tempo transcorrido apagaria qualquer lembrança de que num fim de festa literária foi assassinado um poeta. O caso poderia ser contado de modo que o causador do crime passasse à posição de inocente vítima. Para isso engendrou um projeto violento contra Annibal Theophilo, com a deliberada intenção de impor ao poeta a triste e inglória fama de algoz do crime, dando essa visão como definitiva, protegido pela força do prestígio que julgava ter.
As memórias escritas deveriam se projetar ao infinito dos tempos, para que as gerações futuras acreditassem, sem contestação, na farsa, na trama bem urdida.
Gilberto Amado, no capítulo “Terrível Prova” do seu livro “Minha vida na política”, diz sobre Annibal Theophilo “...não escrevia em jornais, nem trabalhava em redação, não militava propriamente nas letras, não exercia função pública ou particular, emprego...”. Obra citada. Páginas 335, 336, 337 e 340.
O niilismo moral encontrou reforço na coorte dos amigos de Gilberto Amado que acrescentavam ainda mais contra o poeta... “truculento!... perseguidor implacável!... agressor!... puxões de orelha!... com chispas de fogo no olhar!... Golias contra David... fanfarrão!... zombando da feiúra!...”. Obra citada. Páginas 359, 360, 363 – Magalhães Junior.
Essa imagem de ser desprezível teve a revolta do Dr. Sobral Pinto, nosso defensor, que viveu aqueles momentos da História, conhecedor dos episódios nos seus meandros, não se conformava com as agressões morais e protestava: “A versão de Gilberto Amado desmoralizava e infamava a memória de Annibal Theophilo... Narra o episódio da morte do poeta de maneira a este apresentar e colocar numa situação que o desmoraliza perante a História...”. E acrescenta: “O poeta não era um homem vadio, sem colocação, sem mérito literário, de quem nunca ouvira falar, cujo nome era completamente desconhecido”, como dizia Gilberto Amado... “Annibal Theophilo era poeta de valor, no seio da literatura brasileira, - conviveu durante algum tempo com Gilberto Amado – tinha fama de homem correto e digno, incapaz de se prevalecer, covardemente, de seu vigor físico para humilhar e desmoralizar qualquer semelhante fisicamente débil e fraco!! Que a imagem de Annibal Theophilo pintada por Gilberto Amado não é confirmada pela História”. E fez registrar de forma veemente perante a Justiça.
O que deverá valer para o julgamento da História: a palavra demolidora do eliminador do poeta e de seus acólitos ou a palavra que a História registrou e guardou daqueles que, por longo tempo conviveram com o poeta, que datam e assinam seus depoimentos, aqui expostos. Os elogios e comentários à figura de Annibal Theophilo não são palavras nossas; estão nos anais da História: nos periódicos, nas conferências, nos livros, nas cartas e nas correspondências, nas entrevistas e nos depoimentos datados e com todas as fontes de origem. As vozes aqui ouvidas estarão dizendo quem foi o poeta, o ser humano, seu caráter, os sentimentos que moldavam o seu espírito e o seu orgulho. São muitos depoimentos datados e assinados. Não serão as poucas vozes raivosas que prevalecerão, tentando demolir a postura moral do poeta no curso da trajetória de sua curta existência.
Traços Psicológicos
O consciente é o principio tipicamente humano em nós, que vincula Céu e Terra, que ergue-se e cai, dá um passo à frente e outro atrás, pensa que é divino e, às vezes, se comporta como um animal, interpreta Carlos Avelino. (Revista O Planeta – edição 291 – nº 12 – dez / 1996)
E, Olavo Bilac encerra o seu poema “Dualismo” com o perfil psicológico do ser conturbado pelas paixões:
“...Não ficas com as virtudes satisfeito
Nem te arrependes, infeliz, dos crimes
E no perpétuo ideal que te devora.
Residem juntamente no teu peito
Um demônio que ruge e um deus que chora”.
Olavo Bilac